Destruindo o Gradualismo

Tempo de Leitura: 5 minutos

O estado, via de regra, é apontado como o inimigo a ser combatido. Trata-se de uma estrutura burocrática formada por órgãos formalmente constituídos, regida por normas legais e controlada por políticos, burocratas e servidores públicos.

Albert Jay Nock já disse: “O estado é uma organização criminosa que alega e exerce o monopólio do crime.”

A partir dessa exposição, até as pessoas mais simples percebem uma clara contradição:

Como você pode querer acabar com o estado e fazer parte dele ao mesmo tempo?

Se o estado é uma organização criminosa e você está nele, então você é um criminoso também?

Você diz que o estado é ilegítimo, mas me pede para colocar você lá dentro?

Já que essa contradição é muito evidente, como ainda existem gradualistas?

Grande parte dos gradualistas diz que ficar na internet estudando e disseminando a ideia da liberdade não funciona; fala que prefere traçar objetivos mais realistas e metas que podem ser alcançadas — assim como os objetivistas que traçam metas graduais de curto, médio e longo prazo para diminuir ou acabar com o estado. No entanto, tudo isso, todas essas metas só podem acontecer no nível do comportamento e da ação prática — o indivíduo é induzido a praticar e depois busca uma forma de racionalizar, de justificar a si mesmo e aos outros o motivo de ter agido de maneira contrária àquilo que acreditava ser certo.

Asch e Sherif fizeram contribuições interessantíssimas sobre a tendência ao conformismo e ao surgimento de normas de grupo; delas deduzi que pessoas como RaphaëlLima e Fábio Ostermann são gradualistas que se encontram numa regressão, na qual se deparam com o conformismo diante das normas estatais que regem a sociedade; e, ao invés de praticarem tudo que leram, fazem o contrário, além de repetirem o que leem para atrair público, mas um público direcionado a eles mesmos; se você entender o mínimo dos conceitos que estruturam as interações, perceberá o tremendo estrago na psico dos novos libertários — ao mesmo tempo em que você detona a estrutura estatal, você se apresenta como um político, condicionando jovens libertários à aceitação de parte do sistema, a qual lhes é apresentada como uma parte real do mundo que só pode ser mudada utilizando-se dela.

A essa altura você já deve ter percebido que, sempre que um gradualista pede que a sua família, os seus amigos ou os seus seguidores votem, apoiem um partido ou um candidato, ele está pedindo que as pessoas confiem nele, que elas se comportem de maneira obediente em relação ao estado, sigam as regras estatais, façam parte da democracia; ele usa da confiança e do prestígio que recebe dessas pessoas para submetê-las a outra autoridade e inseri-las no grupo dos servos do estado.

Mas o pior é que — mesmo lendo, NINGUÉM PERCEBEU até agora — , é que, em resumo, o gradualista está pedindo a sua confiança, mas também o seu respeito ao estado. Se ele ou até mesmo você se recusa a isso, além da clara contradição, só resta a apreensão de que o gradualista pede que você deposite nele a sua fé; ou seja, aqui fica o meu questionamento:

Qual é a diferença entre o gradualista e um político qualquer?

Até mesmo a narrativa é igual. Políticos de carteirinha já estão acostumados a prometerem o impossível para os seus eleitores; temos o esquerdista, o de direita, a feminista, o carinha da droga, o carinha do movimento tal — e temos o gradualista, que não é diferente. Se você já leu o mínimo, já deve ter percebido como o estado e a democracia funcionam; se você vê um político como parasita e deseja que ele seja extinto, como fica o seu gradualista de estimação? Se os políticos já não fazem, nem conseguem manter simples promessas, por que você acha que o gradualista solitário ali dentro irá mudar a estrutura de incentivos estatais? Lembre-se: se você apoia um político gradualista, você também não é diferente do cara que apoia o Lula, nem diferente do cara que apoia o Bolsonaro; cada um de vocês tenta justificar o seu político de alguma forma.

Muitos que falam sobre o gradualismo não levam em conta o arranjo, levantado pela narrativa do gradualista, de incentivos sociológicos que estruturam as relações — se o indivíduo que o gradualista está tentando convencer a participar da política já é um libertário, fique ciente de que ele o está expondo a uma forte dissonância cognitiva.

Até mesmo o mero voto, um ato pequeno e anônimo, é um primeiro passo que torna a pessoa mais suscetível a colaborar de formas mais intensas no futuro. Ela tenderá a defender o candidato em quem votou, justificando os erros — e.g., “fez o que era possível” — e, como “manobras estratégicas”, os atos claramente contrários ao libertarianismo; as ligações com esquerdistas e membros do establishment serão consideradas “alianças políticas circunstanciais” para obter “capital político”.

O gradualista, de uma maneira diferente, constrói, como bem disse Hoppe, um novo pilar de legitimação estatal — o estado recebe sustentação daqueles que usam o sistema para combater o sistema.

Em vez de colocar em xeque a credibilidade do estado, o gradualista pede a você que confie no sistema eleitoral. Ele pode até gritar pro mundo que nada que o estado faça funciona; porém, quando lhe pede para votar, está pedindo que você confie, pelo menos desta vez, no sistema democrático. E então: o estado é de fato sempre injusto e ineficiente, ou ele consegue organizar uma eleição limpa e funcional?

Ou seja, tudo que você sabe sobre a democracia — sobre todas as coisas que a fazem ser o que é — acaba sendo jogado na lata do lixo; uma vez que o gradualista voluntariamente escolhe usar o aparato democrático para adentrar o seio estatal, ele está indiretamente dizendo que, em algum grau, o estado funciona (caso contrário, ele não tentaria). Mas, se o estado funciona em algum grau e em algum setor, então pode funcionar em outros — e assim, com essa cadência, o gradualista destrói o libertarianismo, levando consigo uma manada de idiotas úteis que jogam fora tudo que leram para legitimar o mecanismo que um dia queriam destruir. Aqui faço as minhas deliberações passionais acerca dos gradualistas: vejo-os como indivíduos que, cansados de chorar por serem estuprados, levantam-se, abraçam o estuprador e abrem as pernas sorrindo, esperando que ele diminua o pau porque agora o gradualista está mais envolvido na agressão.

Para aqueles que dizem que há pessoas boas que buscam uma forma objetiva e prática de destruir ou diminuir o estado por dentro, eu lhes digo que falta ler. Ler é um ótimo remédio contra a burrice e estupidez. (Não encontrei palavras menos ofensivas.)

A participação de uma pessoa boa num sistema coercivo tende a enfraquecer as alternativas concorrentes: no caso, as instituições que poderiam satisfazer as necessidades individuais sem recorrerem à coerção. Os gradualistas deparam-se com um fato inexorável: a escassez. Eles direcionam os seus esforços à política e acabam trabalhando para fazer com que determinado setor do estado funcione (ou funcione menos), incitando que os seus familiares, amigos e seguidores façam o mesmo. Obviamente, drenam a energia de outras ações libertárias, como o estudo e a divulgação das ideias, o agorismo, o empreendedorismo, as associações voluntárias e a caridade.

Além de ser extremamente ineficiente, trata-se de uma alocação irracional — tendo em vista que qualquer empresa privada existente, por menor que seja, que forneça qualquer serviço, poderia demonstrar mais efetividade com a colaboração do nosso bom gradualista.

Portanto, o gradualismo não pode sequer ser considerado uma estratégia. Ele só tende a prejudicar os objetivos que diz perseguir, é ineficiente em todos os sentidos, além dos terríveis incentivos sociais propagados. O máximo que os gradualistas poderão obter é alguns privilégios pessoais junto às esferas do poder estatal, assim como a falsa sensação de estarem fazendo algo concreto.

Deixo agora para o final um breve conto, escrito por mim, para vocês refletirem:

O gradualista, querendo vingar-se do estado, indagou aos seus seguidores se podiam ajudá-lo, e eles aceitaram. Mas, para se infiltrar lá dentro, ele tem que se eleger, e o estado possui normas que determinam certas condutas — ao se eleger, o estado necessariamente deverá lhe colocar algumas rédeas para montá-lo como parte do sistema. O gradualista concorda com as normas e as rédeas, sendo montado pelo estado; mas, ao invés de realizar a sua vingança, o gradualista torna-se doravante um escravo do estado, condicionando todos os seus seguidores a admitirem que a democracia e o sistema que colocou o gradualista lá funcionam em algum grau. Agora resta tentarmos, de alguma forma, distinguir o gradualista dos demais políticos.

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3 Comentários

  1. Texto impactante e bem embasado. Uma visão bem esclarecedora que acrescenta argumentos acessórios ao ponto central: o gradualismo é inerentemente antiético. Só tenho que parabenizar.

  2. Ótimo artigo, Jack!

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