Autopropriedade? Uma Conclusão Incontroversa, Não Uma Premissa Controversa

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(O seguinte post é um pouco confuso – foi extraído de comentários que fiz em um colóquio há um ano. Mas gostaria de compartilhar de qualquer maneira.)

Eu nunca faço argumentos do tipo autopropriedade. No entanto, se você me perguntar se as pessoas são donas de si, eu diria que sim. Alguns liberais de esquerda afirmam achar a ideia desconcertante, mas acho que é porque eles estão perplexos sobre como pensar sobre propriedade. De fato, após reflexão, veremos que praticamente todos os liberais aceitam alguma versão de uma tese de autopropriedade. Eles apenas discordam sobre o que significa autopropriedade, que é uma das razões pelas quais não podemos usar o conceito de autopropriedade para resolver debates intraliberais.

Deixe-me esboçar uma maneira de entender a autopropriedade.

Primeiro, pergunte, o que é um direito de propriedade? Direitos de propriedade são conjuntos de direitos. A força e a natureza desses direitos podem variar de item proprietário para item proprietário. O direito central em uma propriedade é o direito de exclusão. (Nozick diz que é o direito de usar algo.) Como David Schmidtz disse em algum lugar, se direitos de propriedades são um conjunto, então devemos pensar no direito de excluir como o tronco o qual os outros direitos crescem como galhos. Direitos de propriedades podem também incluir o direito de usar, vender, alugar e destruir quando quiser.

Nós possuímos coisas diferentes de maneiras diferentes. Para nós, o conjunto de direitos que constitui a propriedade varia de coisa possuída para coisa possuída. A força desses direitos também varia. Eu posso ter um gato e um carro, mas minha propriedade do gato – que é a propriedade real – não me permite fazer tanto com a minha propriedade do carro. (Não quero dizer isso apenas para refletir as regras legais atuais. Em vez disso, quero fazer uma reivindicação sobre direitos morais de propriedade, que as leis de diferentes estados podem ou não refletir.) A maneira como possuo um gato é diferente de como eu possuo um carro, que é diferente de como eu possuo uma guitarra, que é diferente de como eu possuo um terreno, que é diferente de como eu possuo… etc, etc. Moralmente falando, não apenas legalmente falando , os tipos de direitos que tenho sobre essas várias coisas variam. Mas eu realmente posso possuir cada um deles. Se você preferir dizer que minha propriedade é “mais extensa” quando tenho o pacote completo de direitos sem restrições morais de uso, tudo bem. Mas mesmo que haja uma propriedade mais ou menos extensa, ainda é propriedade. Meu gato é meu gato. Não tenho permissão para torturá-lo, negligenciá-lo ou fazer sexo com ele, mas isso não é porque o gato é parcialmente da sociedade ou de qualquer outra pessoa, ou porque eu realmente não o possuo. O carro é meu carro. Não tenho permissão para conduzi-lo pelas ruas sem provar competência, mas não porque o carro seja parcialmente da sociedade ou de qualquer outra pessoa. etc.

Agora, vamos imaginar que certos tipos de argumentos morais — como os princípios deontológicos kantianos, ou afirmações sobre o que é precisa para realizar certos poderes morais, ou argumentos de uma “posição inicial” privilegiada, ou reflexões sobre atitudes reativas Strawsonianas, ou consequencialismo Miliano sofisticado, ou outros enfeites — levam-nos para a conclusão que pessoas tem certos direitos de exclusão e uso sobre si próprias, e, também, possivelmente outros direitos sobre si mesmas.

Depois de ver como esses direitos se formam, você pode notar que os direitos das pessoas sobre si mesmas se assemelham fortemente ao conjunto de direitos que associamos aos direitos de propriedade. Podemos, então, decidir chamar essas pessoas de donas de si mesmas. Não estaríamos, então, abusando do conceito de “propriedade”. Todo liberal pensa que cada um de nós tem certos direitos fortes de uso, exclusão e assim por diante, sobre nos mesmos e nossos corpos. Então, com efeito, todos eles aceitam uma tese de autopropriedade, embora muitos não descrevam suas crenças como tal.

Nesse tipo de história, o conceito de autopropriedade faz pouco trabalho pra justificar qualquer coisa. É uma conclusão, não uma premissa ou um fundamento. Somos donos de nós mesmos, mas podemos ser donos de nós mesmos em qualquer número de maneiras diferentes (assim como podemos possuir coisas de várias maneiras). Todos os liberais acabam endossando uma tese de autopropriedade, mas eles endossam diferentes teses de autopropriedade. Há uma autopropriedade Nozickiana, a autopropriedade brenniannam, a autopropriedade rawsiana, a autopropriedade macedoniana, etc. O que exatamente entra no nosso pacote de direitos de autopropriedade depende, em parte, nos argumentos morais fundamentais, sejam eles quais forem. O conceito de autopropriedade não vai nos levar ao libertarismo. Pelo contrário, os argumentos mais fundamentais podem nos levar para uma das muitas variedades de autopropriedade. Ou, talvez não.

Direitos são necessários para vivermos juntos em paz, harmonia, e com sentimentos de respeito mútuo. Mas eles são sempre problemáticos.

Por exemplo, se os direitos de propriedade externa proibissem todas as travessias de território não importa o que aconteça, então teríamos um sistema em que uma pessoa pode comprar todos os terrenos em volta de outra pessoa e ela poderia acabar morrendo de fome por não ser permitida ir ao mercado (Tradutor: isso é implicação com o PNA). Assim toda sociedade inventa regras de servidão.

Esses tipos de casos representam um problema para todos que acreditam em direitos. Não é um caso especial para libertários. Considere as questões de liberdade de expressão: Meu direito a liberdade de expressão inclui um direito de protestar na rua na hora do rush? Na sua sala de aula, enquanto você ensina? Na casa do presidente? Inclui o direito de imprimir minhas palavras no seu jornal? Para silenciar autofalantes que não gosto? Para gritar “fogo” num teatro lotado? Considere questões de liberdade politica: Eu preciso ter a mesma chance de afetar os resultados eleitorais como qualquer outra pessoa? Isso significa me dar recursos financiais iguais? Significa me dar mais recursos para que eu possa contra balancear o carisma dos outros? isso significa me dar votos extras? Preciso ter igualdade formal de poder politico? A liberdade de imprensa permite que publiquem segredos de estado? A história sexual de leitores que não são celebridades? Por que não?

Acho que muitas dessas perguntas podem ser respondidas. No entanto, em minha visão, direitos não são realmente fundamentais. Outros princípios morais são fundamentais e explicam quais direitos particular temos, de que maneira e como essas questões devem ser respondidas.

Isso é compatível com a afirmação de que o conteúdo de nossos direitos é amplamente convencional. Pode haver um núcleo comum de direitos que todas as sociedades justas devem respeitar. A filosofia por si só pode ser capaz de nos dizer qual é esse núcleo e o porquê. O resto poder ser algo descoberto — quais formas particulares de preencher direitos (além da parte central) nos ajudam a viver juntos em paz e prosperidade? Que maneiras ajudam as pessoas a viver juntar com respeito — ou seja, de maneiras em que elas se veem com respeito e em quais elas sem veem respeitando os outros?

Publicado em: 28 de Novembro, 2012
Autor: Jason Brennan

Tradutor: Orenom

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