Significado de Conceito

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Os conceitos, também chamados de universais, ou de formas, são um importante tema nos estudos de Lógica e Filosofia, afinal argumentos, sentenças e frases são todas formadas de conceitos, sem a existência deles, torna-se impossível a existência de proposições e argumentos, e, conseqüentemente, de qualquer ciência.

“A relação de conceitos aos seus constituintes particulares é a mesma relação entre símbolos algébricos e números. Na equação 2a = a + a, qualquer número pode ser substituído pelo símbolo “a” sem que a verdade da equação seja afetada. Por exemplo: 2 X 5 = 5 + 5, ou: 2 X 5.000.000 = 5.000.000 + 5.000.000. Da mesma maneira, pelo mesmo método psico-epistemológico, um conceito é usado como um símbolo algébrico que pode significar qualquer uma das unidades subordinadas pela sequência aritmética.” (RAND, Ayn. Introduction to Objectivist Epistemology. Em tradução livre)

Esta citação de Rand é uma boa analogia que pode nos auxiliar a entender melhor o que são conceitos; o fato é que conceitos são integrações de existentes por meio de alguma semelhança que eles carregam entre si, e alguma diferença entre eles e os outros existentes.

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Por exemplo, o conceito de animal. Todos os animais estão neste conceito, o cachorro que um dia vemos na rua, a mosquito que nos pica e até mesmo o pássaro que voa pelos céus, todos estes existentes estão integrados neste mesmo conceito por conta da característica que entre eles é uma semelhança, mas que, entre eles e os existentes não integrados no conceito de animal, é uma diferença.

Conceitos são, também, relações de semelhança e diferença.

E todos os existentes que são integrados no conceito são chamados de os referentes deste conceito; por exemplo, o conceito de doce, se hoje você come um chocolate, este chocolate específico é um referente do conceito de “doce” (assim como do conceito de “chocolate”), se você vê um doce de leite numa vitrine, ele também é um referente do conceito de “doce”, e assim por diante.

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Espécie e Genus

Porém conceitos podem integrar mais ou menos existentes, e pode até mesmo ocorrer de um conceito integrar apenas uma parte dos existentes que um outro integra.

“Sempre que encontramos essa relação nós usamos o termo genus para o conceito mais amplo, e espécie para o mais limitado.” (KELLEY, David. The Art of Reasoning. Tradução feita por mim mesmo.)

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Pegando o exemplo do conceito de animal, temos também o conceito de cachorro, que integra apenas uma parte dos existentes que o de animal integra, assim como o de águia, o de cobra… etc.. Todos estes conceitos são espécies em relação ao genus “animal”. Todos os referentes que pertencem a uma espécie pertencem também ao seu genus, mas o genus tem referentes que não pertencem à espécie.

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O conceito que é espécie em relação a um conceito pode ser genus em relação a outro, por exemplo: “cobra” é uma espécie em relação ao genus “animal”, porém ela é um genus em relação ao conceito “anaconda”, que em relação a ela é uma espécie.

Conceitos têm um grau de abstração, quanto mais objetos mais diferentes um mesmo conceito integra mais abstrato ele é. Um genus é sempre mais abstrato que uma de suas espécies, o conceito de cobra, é mais abstrato que o de anaconda, porém menos que o de animal, que é menos que o de ser vivo, e assim por diante.

Outro tema importante é o da negação de um conceito. A negação de um conceito específico é o conceito que integra todos os existentes que não são referentes deste conceito. Por exemplo, a negação de “cachorro” é “não-cachorro”, o conceito de “não-cachorro” contém todos os existentes que não são integrados pelo de “cachorro”, como gatos, insetos, hambúrgueres, soda cáustica, antimatéria… Etc..

Definições

“Uma definição é algo que identifica os referentes de um conceito especificando a que genus ele corresponde e quais características essenciais (differentia) diferenciam seus referentes dos outros referentes deste mesmo genus.” (KELLEY, David. The Art of Reasoning. Em tradução livre) 

Desta forma a differentia nos mostra qual espécie dentro do genus é aquele conceito.

Existem alguns exemplos de definições genus-differentia, como “animal racional” para humano, temos “animal” como o genus e “racional” como a differentia. Porém é importante notar que nem todo o genus, assim como nem toda a differentia, precisa se reduzir a uma palavra; por exemplo, se defino caixa de som como “objeto eletrônico utilizado para ouvir música”, então o genus é “objeto eletrônico” e a differentia “utilizado para ouvir música”.

As definições dos conceitos são extremamente importantes, pois elas os identificam, não apenas possibilitando a comunicação entre pessoas por meio destes conceitos, mas também facilitando a memorização dos mesmos. Porém é importante ter em mente que para que uma definição esteja correta, ela deve obedecer a certas regras:

1 — Uma definição deve ter genus e differentia. Vemos muitas vezes pessoas tentando definir um conceito por meio apenas de um sinônimo, ou então dizendo “conceito X é quando…” (ex.: paixão é quando seu coração bate mais rápido ao ver a pessoa), estas definições não seguem a regra genus-differentia, conseqüentemente não são capazes de estabelecer corretamente as relações de diferença e semelhança entre o conceito definido e os demais.

2 — Uma definição não pode ser nem ampla, nem limitada demais. Sempre que o indivíduo tiver o conceito em mente, mais especificamente, tiver a memória de todos os referentes que integrou no conceito, ao encontrar uma definição verbal deve tomar cuidado para que a sua definição não contenha objetos que não fazem parte dos referentes que tem em mente nem que deixe de conter algum, estas seriam definições amplas e limitadas demais, respectivamente. O indivíduo que viole esta regra acabará por definir um conceito diferente do que tem em mente, embora, talvez, muito semelhante. Uma boa ideia para checar se esta regra não foi violada é buscar contra-exemplos, verificar se entre os referentes do conceito que se tem em mente há algum ao qual a definição não corresponde, ou se ela corresponde a algum existente que não é referente do conceito, nos dois casos se cometeu um erro.

3 — Uma definição deve exaltar as características essenciais dos referentes do conceito. Os referentes que fazem parte de determinada espécie se diferenciam dos demais referentes do genus por atributos (características), um atributo mais essencial é aquele do qual outros atributos que geram estas diferenças dependem para existir, quanto mais essencial o atributo utilizado na definição melhor. Por exemplo, o conceito de “humano”: um humano é um animal, agora, o que o difere dos outros animais? Alguém poderia dizer que é a sua capacidade de escrever livros, ou que é sua capacidade de cozinhar, ou de se organizar em sociedade… sim, todas estes atributos o diferem dos outros animais, porém eles dependem de um atributo essencial, a razão.

4 — A definição não deve ser circular. Uma definição circular é aquela que assume o próprio conceito para defini-lo. Por exemplo: se eu digo que posse é “a relação entre uma pessoa e as coisas que ela possui”, utilizar o conceito “possui” não ajuda em nada no entendimento do de “posse”, pois a definição de “possuir” já depende de “posse”. Outro exemplo: se digo “cidade é um aglomerado urbano humano maior que uma vila” e “vila é um aglomerado urbano humano maior que uma cidade” há circularidade também, o fato é que várias definições podem ser circulares entre si.

5 — Definições não devem usar negativos necessariamente. Alguns conceitos precisam necessariamente de definições negativas, como “inconcebível”, “desafortunado” (geralmente conceitos que são negações de outros)… porém não se tratando deste tipo de conceito, o uso de negativos na definição não é uma boa ideia, pois, ao invés de estabelecer as características essenciais do conceito, ele o define o diferenciando de outro específico.

6 — Definições não devem utilizar uma linguagem vaga obscura ou metafórica. Obviamente, pois tal linguagem ao invés de esclarecer pode gerar mais confusões ainda. Metáforas são ótimas figuras de linguagem, mas tem de ser utilizadas no momento correto, não em definições.

Estas são as 6 regras estabelecidas por David Kelley para definições em seu livro The Art of Reasoning.

Definições Estipulativas

Muitas vezes uma pessoa já tem em mente um conceito, mas sem saber a exata definição dele, já conhece todos os existentes que por ele são integrados, mas ainda precisa descobrir qual definição deve utilizar para se referir a ele. Ou então um grupo de pessoas fala sobre um mesmo conceito, com todos sabendo qual conceito é por conta dos referentes, e busca encontrar uma definição para ele.

Isso não ocorre com definições estipulativas.

“Uma definição estipulativa introduz uma nova palavra especificando exatamente o que ela significa.” (KELLEY, David. The Art of Reasoning. Em tradução livre)

Obs.: a palavra da definição estipulativa não precisa ser uma nunca usada e criada por quem define.

Quando uma definição estipulativa é utilizada a pessoa não está tentando encontrar a melhor definição para se referir a algum conceito que tem em mente, ela está utilizando uma palavra para representar um conceito delimitado por uma definição específica, qualquer coisa que esteja fora desta definição não faz parte do conceito. No caso de definições estipulativas a regra 2 das definições não se aplica, pois neste caso é a definição que enuncia de qual conceito a pessoa fala, não há como ela ser muito ampla ou muito limitada, e não existem contra-exemplos, definições estipulativas não são capazes de violar a regra 2.

Por exemplo, um físico está fazendo sua teoria, ele define “trabalho” como “o produto da força aplicada a um objeto e o deslocamento na direção daquela força” e utiliza este conceito para sua teoria; então uma pessoa chega e diz “você está errado, porque o trabalho que se faz na firma não é integrado por esta definição”. Obviamente neste exemplo o segundo indivíduo cometeu uma falácia semântica, pois o físico fez uma definição estipulativa, quando ele fala “trabalho” ele se refere apenas “ao produto da força aplicada a um objeto e o deslocamento na direção daquela força”, e a palavra foi apenas utilizada para representar o conceito delimitado por esta definição e ela coincidentemente foi utilizada por outras pessoas para algo completamente distinto, ele poderia ter utilizado A, e dito A é “o produto da força aplicada a um objeto e o deslocamento na direção daquela força”, não faria diferença alguma. O mesmo ocorre quando um jurista diz “propriedade é o direito de uso exclusivo”, ou quando um matemático diz “número natural é um número inteiro e não-negativo”, e assim por diante.

Aliás, as definições estipulativas são geralmente muito mais utilizadas em argumentos e pesquisas científicas, podem ser vistas com frequência em estudos de Matemática, Física, Filosofia, Economia… Elas não são práticas para conversas casuais no dia a dia, afinal não é prático ter de definir cada palavra nestas conversas, mas no âmbito científico facilitam bastante.

Definições Ostensivas

Agora, há um problema…

Imagine que uma pessoa queira definir um conceito, ela usa um genus e uma differentia, porém e a definição do genus? Qual é? Se ela utilizar outro genus e outra differentia haverá outro genus para se definir, e outro, e assim por diante, a não ser que todos os envolvidos cheguem num ponto no qual haja uma palavra de entendimento comum temos um problema.

Agora imagine que duas pessoas queiram se comunicar, que ambas conheçam vários conceitos, assim como suas definições, e tenham uma palavra para representar cada um deles, porém que não conheçam absolutamente nada da língua um do outro. Como irão fazer definições para se comunicar? Encontramos aqui um problema similar.

A resposta é: definições ostensivas.

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O filme Dança com Lobos tem uma cena que representa bem isso, nesta cena um homem branco e dois índios tentam se comunicar sem saber como falar a língua um do outro, o homem branco, então, para tentar definir o que quer dizer com a palavra “búfalo” coloca dois dedos na cabeça como se fossem chifres e imita um búfalo, dizendo a palavra.

Uma definição ostensiva ocorre quando a pessoa aponta exemplos de referentes que são integrados pelo conceito ao qual se refere, relacionando-os à palavra.

Por exemplo, eu lhe mostro uma maçã e digo “vermelho”, então lhe mostro uma gota de sangue e digo “vermelho”, depois fogo, e etc., estou fazendo uma definição ostensiva do conceito de “vermelho”.

Sem definições ostensivas a criação das línguas e da comunicação não é nem sequer possível.

Além disso existem alguns conceitos específicos que só podem ser definidos de forma ostensiva.

Tipos de Conceitos e de Existentes

O tipo primário de existente é chamado de ente, ou de entidade, é o tipo primário do qual outros tipos de existentes dependem para existir. Características existem apenas enquanto características de entes, relações existem apenas enquanto relações entre entes, e assim por diante. Os conceitos de entes são chamados de substantivos ou de pronomes (dependendo da natureza do conceito podem ser um ou outro, nunca os dois).

Entes podem passar por mudanças, mudar de um estado para outro, estas mudanças na filosofia são chamadas de moções (algumas vezes de “movimento”, deve se ter em mente que “moção”/“movimento” aqui não se refere a um movimento físico, e sim a qualquer mudança). Conceitos de moções são chamados de verbos.

Entes têm atributos/características. Conceitos de atributos de entes são chamados de adjetivos.

Porém moções também têm atributos. Conceitos de atributos de moções são chamados de advérbios.

Entes também podem ter relações espacio-temporais. Os conceitos destas relações são chamados de preposições (não devem ser confundidas com proposições).

E existem também as relações entre pensamentos. Conceitos de relações entre pensamentos são chamados de conjunções.

Conceitos Axiomáticos

A Teoria dos Conceitos Axiomáticos foi uma teoria criada pela filósofa russa Ayn Rand, sendo, em minha opinião, sua mais importante teoria, embora provavelmente uma das menos conhecidas. Não apresentarei a teoria inteira aqui, mas apenas suas partes pertinentes ao tema, para maiores interessados tenho um texto específico sobre isso (além de ela mesma ter um ensaio onde explica esta teoria).

“Um conceito axiomático é a identificação de um fato primário da realidade, que não pode ser analisado, por exemplo, reduzido a outros fatos ou dividido em componentes e partes. Ele está implícito em todos os fatos e em todo o conhecimento. Ele é aquilo que é dado fundamentalmente e diretamente percebido ou experienciado, aquilo que não requer prova ou explicação, aquilo no qual todas as provas e explicações se apoiam.” (RAND, Ayn. Introduction to Objectivist Epistemology. Tradução livre)

Os conceitos axiomáticos são os mais abstratos conceitos que existem, todos os existentes que existem e podem existir são integrados por eles, os seus referentes são todos os existentes do mundo.

Os três conceitos axiomáticos básicos identificados pela autora são “Existência”, “Identidade” e “Consciência”, apesar disso ela nunca deixa claro que estes sejam os únicos conceitos axiomáticos, seu próprio aluno David Kelley considera “Causalidade”, também como um conceito axiomático.

Estes conceitos são extremamente curiosos por uma série de fatores.

Primeiro, eles não podem ser definidos, apenas de forma ostensiva, pois não há como serem espécie de um genus, eles são os genus mais abstratos possíveis.

Segundo, eles não têm negação, pois não há como haver um existente que não seja referente deles. Vendo esta afirmação você talvez pense que a inexistência seria a negação de existência, porém isso é incorreto, inexistência é a abstenção de existência, e negação (conceito já definido anteriormente) é algo bem diferente de abstenção, a negação de um conceito A é “tudo aquilo que não é A”, o que não se aplica à existência, pois o que não é existente, o que é inexistente, não é algo, é nada, logo não pode ser um referente.

Terceiro, qualquer processo de formação de qualquer conceito, qualquer processo cognitivo, qualquer proposição ou até mesmo argumento, sempre está envolvido com os conceitos axiomáticos, pois eles são formados a todo o instante, e tudo o que existe é referente deles.

Esta é a natureza dos conceitos, estas coisas tão importantes, que vemos e percebemos a todo o momento, muitas vezes sem nem mesmo nota-los.

Referências

David Kelley — The Art of Reasoning

Ayn Rand — Introduction to Objectivist Epistemology

Harry Binswanger — The Foundations of Knowledge

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