Mises e o Relativismo Moral

Tempo de Leitura: 4 minutos

Tradução do artigo “Mises and Moral Relativism”

Há vários dias ouvi do meu amigo Larry Beane, que as pessoas que tinham lido o livro Theory and History e estavam participando do seminário de Walter Block, se perguntavam se Mises é um relativista moral. Como irei mostrar, a resposta depende do que se entende por “relativista moral”, mas da forma como o termo é normalmente compreendido na filosofia contemporânea: não, ele não é.

Gostaria de dedicar este artigo à memória de Leo Beane, um jovem excepcional de grande carácter e inteligência, que não era um relativista moral.

Quando Mises fala de qualquer questão de filosofia, uma regra fundamental deve ser mantida em mente: O seu principal objetivo é sempre defender o livre mercado contra qualquer doutrina que possa ser usada para o atacar. Por exemplo, ele critica os positivistas, porque a sua visão do significado minaria a praxeologia, e pela mesma razão rejeita várias formas do que ele chama de “polylogism” (polilogismo).

Na ética, Mises segue a mesma estratégia. Ele diz que quase todo mundo valoriza a paz e a prosperidade. A forma de o conseguir, é estabelecer e manter um sistema de cooperação social através do livre mercado. O seu argumento, então, apela ao que Kant chama um hipotético imperativo: “Se quer paz e prosperidade, estabeleça e mantenha um livre mercado”. Porque se quase todos querem a paz e a prosperidade, então temos uma razão para estabelecer e manter esse sistema. É necessário acrescentar mais um ponto para compreender o que Mises tem em mente: Ele pensa que todo este argumento é estritamente científico e livre de valores. Não é que ele esteja fazendo o juízo de valor “Eu gosto do livre mercado”, embora ele certamente goste sim. Mas, o que ele quer dizer é: “Se as pessoas realmente preferem a paz e a prosperidade, esta é a forma de a obter”.

É aqui que entra a estratégia que mencionei. Alguns filósofos, como Franz Brentano, dizem que existem valores objetivos. Além das preferências subjetivas que as pessoas têm, existem também valores absolutos. Mises caracteriza sua posição desta forma:

“Esta distinção entre um campo da ciência que trata exclusivamente de proposições existenciais e um campo para juízos de valor foi rejeitada pelas doutrinas que afirmam que existem valores eternos absolutos. Os apoiadores destas doutrinas argumentam que existe uma hierarquia absoluta de valores. Eles tentaram definir o bem supremo. Dizem que é admissível e necessário distinguir da mesma forma entre juízos de valor verdadeiros e falsos, corretos e incorretos, com as propostas existenciais verdadeiras e falsas, corretas e incorretas. A ciência não é restrita à descrição do que é. Existe, na opinião deles, outro ramo plenamente legítimo da ciência: A ciência normativa ética (normative science of ethics), cuja tarefa é mostrar os verdadeiros valores absolutos e estabelecer normas para a conduta correta dos homens.”

Podemos ver porque Mises desconfia disto. Imagine se as pessoas disserem que os valores absolutos exigem que as pessoas rejeitem, ou modifiquem, o livre mercado? Muitos que apoiaram valores absolutos, tais como o filósofo Max Scheler e escritores austríacos dos anos 30, fizeram exatamente isso. Mises dá dois argumentos contra os valores absolutos: Pessoas discordam sobre estes valores e os defensores apelam a “intuições” sem fundamento. Mas não poderiam os defensores responder que, embora muitas pessoas discordem da praxeologia, Mises não toma isso como uma boa razão para duvidar da praxeologia? Mises certamente não diz que, porque os positivistas discordam de sua explicação do significado, isso não é objetivamente verdadeiro: muito pelo contrário.

Mises tem um padrão duplo? A discordância nem sempre mostra que não há mais nada a ser dito.

Alguns defensores dos valores objetivos podem dizer a Mises: “Você está errado ao dizer que não há base para nossos julgamentos além de intuições sem embasamento. A lei natural fundamenta a ética nos requisitos da natureza humana. ” Mas, Mises não está convencido: “É inútil enfatizar que a natureza é o árbitro final do que é certo e do que é errado. A natureza não revela claramente seus planos e intenções ao homem. Portanto, o apelo à lei natural não resolve a disputa. Limita-se a substituir a dissidência relativa à interpretação da lei natural por julgamentos de valor divergentes ”.

Mises respeita o apelo à razão pelos pensadores do direito natural, mas ele acha que seu próprio apelo aos benefícios da cooperação social remove os defeitos da teoria clássica do direito natural:

“No entanto, todas essas deficiências e contradições da doutrina da lei natural não devem nos impedir de reconhecer seu núcleo sólido. Escondida em um monte de ilusões e preconceitos bastante arbitrários, estava a ideia de que toda lei válida de um país deveria estava aberta a examinação crítica através da razão. Sobre o padrão a ser aplicado em tal exame, os representantes mais antigos da escola tinham apenas noções vagas. Eles se referiam à natureza e relutavam em admitir que o padrão para o bem e mal é encontrado nos efeitos produzidos por uma lei. O utilitarismo finalmente completou a evolução intelectual inaugurada pelos sofistas gregos.”

Isso faz de Mises um relativista moral? Ele não acha que haja algo no conceito de “valor” além de preferências subjetivas, então, se isso é o que você quer dizer com relativista, ele era um. Mas esta não é a forma como a maioria dos filósofos hoje usa esse termo. Um relativista moral é alguém que, como o nome sugere, pensa que a moralidade é relativa a algo, geralmente a sociedade ou cultura de uma pessoa. Um relativista pode sustentar, por exemplo, que a escravidão era moralmente certa na Grécia e Roma antigas, porque era aceita lá, mas errada na América hoje. Isso não é subjetivismo, porque o relativista não está dizendo que é uma questão de preferência arbitrária se a escravidão é certa ou errada: ele está dizendo que a escravidão é objetivamente certa (ou errada) em relação a uma determinada sociedade. Uma variante do relativismo moral sustenta que o que é moralmente certo é relativo ao indivíduo, mas até mesmo isso não é subjetivismo. O defensor não está dizendo que o que é certo são as preferências subjetivas das pessoas. Em vez disso, ele está dizendo que objetivamente certo para cada pessoa é o que ela prefere.

Nessa forma de entender o relativismo, Mises não era um relativista moral. Ele pensava que a cooperação social por meio do livre mercado resultava em paz e prosperidade, independentemente de as pessoas ou sociedades aceitarem isso ou não.

Autor: David Gordon

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