Livre-Arbítrio Existe?

Tempo de Leitura: 15 minutos

Introdução

Vivemos em um mundo de constantes intrigas e instabilidades e no que tange a ciência e a filosofia estamos em barcos ainda mais frágeis – e, ao mesmo tempo, mais profundos –. Uma das discussões que tem movido enorme interesse dos estudiosos dessas áreas em especial (e que moveu, também, meu interesse) é a discussão sobre a possibilidade e existência do livre-arbítrio.

Livre-arbítrio foi um termo que adquiriu as mais diversas definições e, por isso, não irei me propor a definir todas, ou a citar todas as variações explicativas para ele. Porém, em compensação, não irei me abster de explicitar algumas das várias teorias que concebo como interessantes a discussão, bem como a minha própria posição.

Também pretendo, naturalmente, expor os erros absurdos de defesas do determinismo científico, estes que tem sido cometidos ao longo dos tempos. Pipocam por aí coisas como interpretações dos experimentos de Libet – e outros da mesma espécie, que tratam os elementos que diferenciam a tomada de decisões consciente e a atividade cerebral –, defesas behavioristas, argumentos da sociobiologia etc. Pretendo apresentar razões para que essas posições sejam consideradas falsas.

Neste primeiro artigo, de uma serie que virá – que também o complementará –, apresentarei as bases de minha teoria do livre-arbítrio, bem como minhas críticas ao determinismo fisicalista tradicional.

Notas

Não é a minha intenção nesse artigo discutir sobre posições irreais do determinismo (i.e., formas “sobrenaturais” de determinismo). Isso se deve ao seu caráter peculiar que me levam a crer não serem posições críveis, ou ao menos críveis ao ponto de me motivarem uma crítica concisa. Adoto, portanto, uma posição realista[1] durante esse percurso e grande parte de meus argumentos estarão enquadrados nessa perspectiva.

Digo isso para evitarmos confusões, pois não creio que qualquer explicação misticista possa satisfazer essas questões mais do que explicações que efetivamente atendam a posições consistentes e científicas (i.e. “Dar o troco na mesma moeda”).

Dito isso, comecemos.

Livre-Arbítrio Referencial

Minha teoria adota o termo referencial em sua denominação e não é por acaso, pois pretendo que ela se estabeleça de tal forma que uma resposta a ela tenha de ser tanto em relação a própria concepção quanto aos argumentos expostos. Acredito que terei sucesso nessa exposição e convido o leitor a se deleitar com ela.

O que é Livre-Arbítrio?

Antes de mais nada, precisamos entender o que concebo como livre-arbítrio e é de suma importância que se tenha em mente que está é uma concepção bem peculiar dentre todas. Reconhecendo isso, pretendo inclusive rebater algumas concepções, mesmo que não de forma absoluta ou com qualquer pretensão desse tipo – os ataques, portanto, podem ser vistos como formas de reforçar o conceito por mim adotado –. Mas então, que é livre-arbítrio?

Concebo este termo como a deliberação propositada entre possibilidades de ação (em qualquer quantidade que seja acima de 0), incluso o efeito de nosso conhecimento sobre elas.

O que isso significa? Com isso, quero dizer o seguinte: desde o momento em que passamos a existir, até o momento de nossa morte, estamos cercados de determinações e condicionantes de ação. Nós somos seres limitados e limitados nos mais diversos espectros de ação prática.

Não podemos, por exemplo, saltar até a Lua ou comer um pedaço do Sol quando queremos, não podemos invocar raios para matarem nossos inimigos, não podemos criar dinheiro (mesmo que o governo tente), não escolhemos quando nascemos, de quem nascemos, em que condições sociais e financeiras nascemos, tampouco escolhemos que primeira linguagem aprendemos, ou como serão as personalidades das pessoas com as quais conviveremos – mesmo quanto a nossos próprios pais e irmãos – não escolhemos quando teremos fome, sede ou quando morreremos (em circunstâncias naturais, ao menos) … enfim, não escolhemos tantas coisas que seria impossível listá-las todas aqui, sem esquecer de alguma.

Sermos condicionados e determinados em vários aspectos, no entanto, não demonstra que o somos em todos, e nem que nossas ações serão determinadas (uma bola que se move, apesar de que cercada por um tubo, ainda assim se move), mesmo sendo constantemente viciadas (i.e., estamos constantemente sujeitos a tendências comportamentais e vieses).

Possuímos uma infindável necessidade de deliberação. Em constante ação, em incessantes situações, onde temos de decidir, de agir. Essas ações, no entanto, não nos são dadas prontas, não nos são apresentadas como se houvesse sempre uma resposta a ser seguida. Em verdade, é justamente o contrário, somos bombardeados com a necessidade de ponderar (muitas vezes, obviamente, não precisamos ponderar ou ponderar profunda e reflexivamente) sobre o que fazer, como agir, que rumos tomar, que frases dizer em X e Y ocasiões, como iremos nos vestir amanhã, como resolveremos essa ou aquela questão. As respostas de todas essas situações não são dadas ao agente homem, elas são por ele construídas.

Desejos

No entanto, não pretendo ser irrealista o bastante para dizer que sempre escolhemos nossos sonhos e vontades, nossos desejos e anseios… não, não posso me permitir crer nisso. Pelo contrário, somos, em muito, induzidos a crer em algumas coisas, a gostar, odiar outras, mesmo que seja pelo nosso próprio organismo, pela nossa condição de seres humanos, sujeitos as condições materiais as quais estamos submetidos.

Gostamos de comer, de beber, de atos libidinosos e isso não me parece ser simplesmente porque queiramos fazer esses atos. Parece-me que, legitimamente, fazemos esses atos porque precisamos fazer; porque comer nos mantém nutridos, porque beber nos preserva hidratados, porque atos carnais são formas biológicas de reprodução e, desde crianças, essa forma de ver o mundo nos foi apresentada. Mesmo as nossas necessidades fisiológicas nos condicionam a “gostar” e preferir essas ações, em detrimento de outras.

Um erro maior do que crer que não temos forças que nos enviesam a agir sob o desejo, seria dizer que, por conta desses desejos, agimos. Não creio que haja tal conexão, tampouco que existam boas razões para crer que é o caso. Agimos certamente por algum motivo, mas esse motivo, não são nossos desejos. Esse motivo é o que chamamos de volição: a legítima manifestação de nossa vontade. Essa sim, completamente autêntica e autônoma (pois, se não o fosse, sequer poderia ser classificada como volição).

Percebemos que são insuficientes os desejos para explicar as ações, da mesma forma que são insuficientes as vontades mútuas de amar, para que dois sujeitos acabem se amando. Eles têm, antes, de tomar atos de vontade, escolherem trilhar esses caminhos. Da mesma forma, para que uma ação se perfaça, e mister o agente, que, por meio de atos volitivos de vontade, a performará. Claro, não me parece também realista supor que as soluções são totalmente não atreladas a nossos desejos e anseios, pois constantemente nos vemos em preferência por ações que os correspondam.

Acredito, portanto, que eles possuem, de certa forma, um papel causal em nossa tomada de decisões, da mesma forma que ocorre com a informação.

Informações

A informação[2] é algo tão primordial e tão importante para a volição quanto o próprio desejo, acredito até que, de certa forma, o transcenda. Não sou capaz de conceber um desejo sequer que não seja ele próprio constituído de informações previamente adquiridas. Quando desejamos determinada comida, temos antes que tê-la conhecido (ao menos, por visão, audição, tato ou olfato). Não podemos desejar o que não conhecemos, pois, para que desejemos algo, esse algo tem de significar alguma coisa – mesmo que insignificante – para nós. Enfim, não pretendo me estender demasiadamente nisso.

Acredito que o conhecimento desempenha papel causal em nossa tomada de decisão. Quando uma criança decide que não vai à escola, sabe antes o que é uma escola, conhece a possibilidade de não ir, como o fazer, conhece o suficiente para atingir seu objetivo – não necessariamente todos os aspectos, mas, para um sucesso em desempenhar essas ações, ela certamente precisa de mais do que instinto.

Da mesma forma, para que conversemos, precisamos conhecer a mesma linguagem, as mesmas entonações. Mesmo a escrita desse artigo demandou o conhecimento desse tema, dessa linguagem na qual escrevo, do uso do programa em que estou escrevendo, existe uma cadeia gigantesca de informações, cercando todas as nossas possibilidades de ação consciente.

Nota do Editor: Mesmo que abordemos elementos minimalistas, em uma saída epistemológica às avessas, precisamos reconhecer ao menos a existência e efetivo conhecimento desses elementos mínimos.

Por que não outra definição?

Atacarei, agora, algumas outras concepções que acredito serem insuficientes para definir o livre-arbítrio. Primeiramente, tomemos a seguinte definição:

Livre-arbítrio é poder agir de forma diferente

Acredito já ter lido essa definição algumas vezes durante meu aprendizado e, em grande parte das vezes, relacionava-se a concepções sobre culpa e moral, coisas como: “Para que haja culpa, deve haver um livre arbítrio que possa conceber a possibilidade de a pessoa ter decidido de forma diferente, se estivesse na mesma situação”.

Acredito que essa definição e essa necessidade sejam falsas, e explicarei o porquê a seguir:

Primeiramente, não creio que seja realista entendermos o livre-arbítrio como simplesmente a capacidade de agir de forma diferente. Para perceber o motivo, basta observarmos a própria volição, que, sendo influenciada pelos conhecimentos e desejos, não está livre de antecedentes, não está livre de motivações, ainda que não seja determinada por estas[3], por este motivo, creio que seja falso que escolheríamos de forma diferente (se voltássemos no tempo, por exemplo). Se eu comi a maçã, o fiz porque estava com fome, o fiz porque estava com desejo, o fiz porque quis, e todos esses dados fazem parte dos precedentes causais da ação.

A situação muda, no entanto, quando considerarmos a consciência de minhas decisões. Veja, se eu soubesse que já havia comido a maçã, poderia não o querer fazer novamente (imagine uma situação onde poder-se-ia voltar alguém no tempo, preservando suas memórias do presente). Dessa forma, me parece uma definição mais plausível (tomando como base a exposta), conceber que livre-arbítrio como a possibilidade de agir de forma diferente, possuindo a informação concernente a sua decisão anterior.

Porém, isso não me parece, ainda assim, uma definição competente, a possibilidade de agir diferentemente conhecendo sua decisão de modo prévio, ainda não satisfaz totalmente meus anseios, muitas vezes nos encontramos em situações em que não podemos fazer coisas de formas diferentes, não sem consequências graves, dessa forma, adotando um norte, por exemplo, o objetivo de não morrer, torna-se certo de que não podemos agir de forma diferente além de comer, beber ou dormir (mesmo considerando serem situações temporalmente longas), pois, se o fizéssemos, morreríamos.

Nesse ponto, minha definição parece se encaixar bem, afinal, deliberamos dentro de nossas possibilidades, mesmo que estas sejam apenas poucas, ou mesmo só uma. Meu objetivo é não morrer de fome, e, portanto, posso escolher comer, mesmo que não haja outra possibilidade que ainda satisfaça esse objetivo e, nesse sentido, sou livre por tê-lo concretizado, e sou livre para rejeitar esse objetivo.

Mas, como isso se aplica a culpa, mais especificadamente ao pensamento legal e criminal? Deixarei essa questão em aberto por enquanto, pois é meu objetivo tratá-la com maior cuidado em um artigo posterior.

A Máquina de Nipah[4]!

Nesse ponto, pretendo propor um experimento mental, para ilustrar uma questão que vejo como deveras interessante, o conhecimento como causalmente eficiente na tomada de decisões. Creio que esse experimento seja suficiente para derrocar mesmo as concepções mais mecanicistas de determinismo, e por ele advogarei agora.

Em um universo estritamente determinado, como advogam os deterministas fisicalistas (obviamente incluindo nessa definição, o homem), teoricamente, seria possível construir uma máquina, tal que essa máquina pudesse prever e calcular absolutamente todo o curso do universo, desde seu princípio, até seu fim.

O modo como isso seria feito? Bom, não é estritamente relevante, mas, pensemos em algumas possibilidades; como talvez, simular todo o universo desde o Big Bang, ou conseguir uma forma de determinar os dados de todas as partículas do universo etc. Claro, não estou dizendo que isso é atualmente possível, mas, se concebemos que não é estritamente impossível fazê-lo em um universo determinado, então isso me parece o suficiente para pensarmos nesse experimento.

Temos então uma máquina que prevê ações, de tudo, desde galáxias, estrelas, cometas, luas, planetas e, até mesmo, dos homens. Se tudo e determinado por leis rígidas da física, deve ser, portanto, possível, que tal empreitada seja feita, mesmo que levassem milhares e milhares de anos (que talvez, a humanidade sequer pudesse presenciar. Como utilizamos nosso raciocínio para desenvolver esse experimento, no entanto, não precisamos esperar todo esse tempo, podemos conceber possibilidades sobre seus resultados nesse exato momento!).

Agora, imaginemos que, em uma sala controlada, fosse colocada uma pessoa, chamemos-a de pessoa X. Pessoa X foi colocada diante de uma escolha, em cima de uma mesa, na sua frente, uma taca de vinho, uma latinha de refrigerante, e um copo de água, a pessoa então deve escolher uma dessas três bebidas e consumir. Porém, não bastasse isso, ela recebeu a seguinte ordem, para toda previsão feita sobre seu comportamento, ela deveria optar por qualquer outra coisa, dessa forma, se dissessem, “Água”, ela deveria tomar o vinho ou o refrigerante, e assim com todas as opções.

Na frente dessa mesa, a máquina, uma tela que apresenta para a Pessoa X a opção que ela irá certamente escolher, ou seja, utilizando-se de sua previsão determinista, a máquina fornece para essa pessoa sua decisão, antes de ser tomada, na forma de um vídeo interativo, produzido por uma avançada simulação[5]. Porém, se a pessoa respeitar a regra do experimento (e ela irá), ela não poderia obedecer às ordens dessa máquina, ou seja, se ela lhe sugerisse, “Beba o Refrigerante”, a pessoa deveria preferir o vinho ou a água, e assim com as demais opções.

Mas, será possível que, nesse universo totalmente determinado, a pessoa escolhesse algo que não fosse o refrigerante? Advogo que a resposta para essa pergunta, e negativa, e acredito nisso simplesmente me baseando no nosso pressuposto anteriormente apresentado, de que o conhecimento possui um papel causal em nossa tomada de decisões (algo que deveria ser óbvio, a propósito).

Poder-se-á contestar esse experimento, argumentando que a máquina não poderia prever a decisão do homem, pois ela estaria influenciando suas decisões. Porém, se o universo é realmente determinado, desde o momento em que fora criada, a máquina já deveria ter também considerado sua influência nas decisões do sujeito e, sendo assim, esta objeção é tornada irrelevante[6].   

Outro argumento que poderia ser utilizado contra esse experimento é como se segue: em um nível micro, as partículas se comportam de modo indeterminado, portanto, seria impossível que prevíssemos realmente, e de modo completo, o comportamento de todas as partículas do universo. Há uma resposta clara para isso, que, de certo, se é assim, não há realmente a possibilidade desse experimento. Porém, do mesmo modo, há a possibilidade de que teorias indeterministas, que se utilizam de teorias da física quântica para justificar o livre-arbítrio sejam verdadeiras. Isso é o que considero ser uma “faca de dois gumes”.

Outro modo de enunciar algo parecido com a “objeção” anterior, é um pouco mais complexo, mas geralmente se refere ao problema da interferência de medições. Sobre isso, há pouco a ser pronunciado, pois o problema é realmente um desafio. Porém, ainda que o seja, creio ser insuficiente o argumento para que se resolva meu experimento, e creio nisso pelos seguintes motivos:

• Aparentemente há algum tempo foi lançada uma descoberta na física quântica, que saltos quânticos não são instantâneos, mas, ao invés disso, são interpelativos, gradativamente realizando o salto. Com essas informações, cientistas conseguiram algo excepcional, prever e reverter um salto quântico, o que pode ser um indício de que a chance de o problema poder ser também contornada por uma máquina tão avançada e maior do que zero (tomando por base os conhecimentos de física quântica atualmente concebidos pela humanidade).

• Se realmente tudo é determinado, mesmo nos níveis mais ínfimos, então não só seria possível contornar o problema da medição a longo prazo, como deveria ser possível, necessariamente, descobrir o que faz com que os saltos ocorram, como eles ocorrem, e qual a sua explicação.

Por conta destes dois fatores, por hora, acredito que já possamos descartar essa possibilidade. Creio que meu experimento possa ser utilizado para chegarmos a uma conclusão simples acerca do determinismo fisicalista. Antes de expor essa conclusão, no entanto, desejo estender o escopo desse experimento.

Ao longo de seu desenvolvimento, percebi que poderia ser o caso que ele não estivesse restrito somente a homens conscientes. Mesmo concebendo que o computacionalíssimo é falso, e que inteligências artificiais não podem ser conscientes, como os humanos são, e inegável que ias podem utilizar inputs (informações do mundo exterior), para produzirem outputs (saídas materiais ou informacionais). E sendo esse o caso, creio ser possível concluir que o escopo do experimento, na verdade pode ser mais bem dado da seguinte forma:

– Para todo sistema de processamento de informações suficientemente complexo P, que possa produzir um output físico distinto de seu input, também físico, P deve ser elegível para o experimento. Chamaremos esse sistema genérico como SPI

As conclusões que podemos tirar disso? Várias elas são. Primeiro, há uma aparente dicotomia entre conceber sistemas que processam informações, e produzem resultados físicos diversos a essas informações, e conceber que há um determinismo fisicalista estrito. Claro, naturalmente, essa aparente dicotomia deve ser falsa. Ao menos, é isso que o leitor deve estar pensando.

Creio não ser esse o caso, e as razões para tal podem ser enumeradas da seguinte forma:

• O experimento, mesmo que razoavelmente complexo de ser feito, não é impossível, e sua conceptibilidade e possibilidade têm de ser uma parte real da concepção do determinismo fisicalista (i.e., alguém que aceite que é o caso que tudo e determinado por leis físicas estritas, e que, ao mesmo tempo, aceite que essas leis podem ser determinadas e compreendidas[7], tem também de aceitar que essas leis podem nos levar a uma predição exata do passado, presente e futuro do universo).

• Alguém que conceba que computadores são determinísticos, e que podem ser utilizados para realizar predições físicas e/ou simulações físicas exatas, mesmo que a um custo de processamento enorme e/ ou impraticável, ainda tem de conceber, mesmo em teoria, que possa ser o caso dessa máquina vir a existir.

• Por consequência, havendo ao menos a possibilidade de sua existência – da máquina, um determinista fisicalista que também concebe o SPI, está fadado a ter de rejeitar o determinismo, ou rejeitar o SPI, sob pena de invalidar o determinismo, pela capacidade de predições exaurirem a produtividade do universo.

Objeção Fundamental §0

Algumas objeções comuns ao meu argumento podem ser tidas respondidas anteriormente, uma em especial, no entanto, quase me fez abandonar a ideia principal, bem como fundamentar uma “soft version”, do meu experimento (para simplificar a escrita, chamarei a máquina do experimento de HNM)

Essa objeção pode ser enunciada da seguinte maneira:

• Uma HNM prediz o futuro do universo U

• Essa mesma HNM se encontra dentro do universo U

• HNM não poderia prever o futuro do universo U, sob pena de ter de prever seus próprios resultados, e, por consequência, os resultados preditivos de sua predicado, e assim por diante, ad infinito.

Acredito que essa objeção seja infundada, e essas são as razões:

• Qualquer problema de regressão passível de ser predicado a uma HNM, deve ser um problema informacional (i.e., uma regressão infinita pode apenas ocorrer se a máquina tiver de conceber o resultado de suas informações)                       

• Uma HNM apenas simula o estado físico P do universo U em dado momento

• P, por si só, não equivale ao estado informacional I

• Portanto, uma HNM não pode regredir ao infinito.

A explicação mais clara dessa resposta, é simplesmente que se é o caso que a HNM apenas tem de simular partículas e interações entre partículas, então é o caso que a HNM não tem de simular uma simulação de seus resultados, dado que o resultado de uma HNM e I, e a simulação de uma HNM e P. Se e somente se P equivaler, por si só, a I, haverá uma regressão ad infinito. Por conclusão, uma HNM não pode, sob esses termos regredir ao infinito.

Acredito que essa objeção tenha sido resolvida, então me concentrarei em dar a soft Version de meu argumento a seguir.

A Máquina de Nipah (soft version)

A hard version de meu experimento, como deve ter parecido ao leitor, é ligeiramente complicada de ser praticada, e como tal, pode ser difícil aceitá-la, do modo como foi apresentada. Para contornar isso, apresento a versão moderada de meu argumento, que creio eu, pode fornecer um resultado igual ou semelhante à versão hard (chamarei essa de SNM).

Essa versão pode ser enunciada da seguinte forma:

• Uma SNM e um sistema determinístico, simulado em um computador, que obedece a leis estritas (independe o tamanho da simulação, o que o torna plausível de ser executado)

• O universo é um sistema determinístico, operando sobre leis estritas

• Uma SNM é análoga ao universo, não por ser uma representação fidedigna do universo, mas por operar da mesma forma que o universo (segundo os deterministas fisicalistas, claro)

• Uma SNM pode ter, em execução, dentro de si, uma IA – SPI

• Uma SNM não precisa processar (e nem pode), semanticamente, as informações que disporá para a IA

• A SNM processará dados brutos, capazes de resultar em informações complexas para a IA, mesmo que em si mesmos, não contenham essa informação

• Uma SNM irá dar informações para a IA, referentes ao futuro de seu próprio comportamento, dentro da simulação

• E o caso que a IA, após aprender o bastante, pode contradizer as predições da SNM

• Se é o caso, então é o caso que o mesmo é possível num universo estritamente determinista, capaz de comportar uma SPI

Dado que essa máquina é tanto teoricamente possível, quando praticamente possível, então provavelmente é também o caso que suas conclusões se seguem. Se esse experimento não fosse possível, então teríamos de seriamente reconsiderar nossas posições acerca do papel da informação na determinação de nosso comportamento (talvez, aceitando algum determinismo metafísico e teleológico absurdo). Em adição, esse experimento também deve servir como uma resposta às objeções apresentadas para a hard version deste argumento.

Das conclusões que de ambos experimentos se seguem, creio que a mais relevante, nesse momento, é a de que há um problema fundamental com o modo como enxergamos a causalidade, bem como nossa relação com ela. Ora, não deve ser simplesmente o caso que em um experimento ela seja desafiada – a causalidade, e em todo o resto dos casos seja simplesmente determinística. Eu suponho – e creio estar bem justificado a crer nisso – que não temos motivos para crer que seguimos um determinismo estrito na maior parte do tempo.

Naturalmente, eu estendo o mesmo para animais, bem como algum nível possivelmente complexo de IA (embora eu não tenha certeza de qual nível seja). Não é minha intenção, no entanto, propor uma solução para os problemas apresentados, mesmo porque, em última instância, creio que isso sequer seja possível[8].

Para finalizar essa questão sobre o comportamento em circunstâncias normais, temos diversas teorias interessantes sobre o livre-arbítrio, muitas das quais irei expor em artigos posteriores.

O Problema da Determinação

Um dos principais problemas, penso eu, quando se fala em determinismo, é o que chamo de problema da origem. Este problema pode ser enunciado da seguinte forma:

1. O universo é determinado por leis físicas estritas de causalidade

2. Todas as coisas presentes no universo, por extensão, são determinadas por leis físicas estritas de causalidade

3. Todas as coisas presentes no universo tiveram uma causa

4. As causas de todas as coisas presentes no universo também devem ter uma causa

5. Esse laço persiste, ad infinito

O mérito deste argumento, nada mais é do que demonstrar que, segundo tal raciocínio, o começo do universo pode apenas ser explicado de modo causalmente relevante[9], ad infinito.

Um simples objeção, que pode ser imediatamente levantada sobre este argumento, poderia ser: as premissas referentes à causalidade (nessa formulação simplória, ao menos), obsecro quaestione. Como é de meu intento criticar essa visão, no entanto, considero irrelevante (ao menos, nesse contexto), o ponto supracitado.

Para concluir, simples e resumidamente, se as premissas [1, 2, 3 4 e 5] se seguem como são, então é absurdo assumir que são verdadeiras. Com o adicional dos problemas apresentados em relação a essa noção estrita de causalidade, eu diria que temos mais do que boas razões para rejeitar a noção, de que todas as coisas – ou todas menos uma, são determinadas.

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Notas

[1] Realismo definido como a crença na existência de uma realidade objetiva além dos sujeitos, na verdade das conclusões científicas etc.

[2] Tratemos informação como sendo simplesmente o que é adquirido mentalmente em nosso dia a dia, reforçado e polido, o que temos ciência de etc. (O termo conhecimento pode e será utilizado nesse texto, como intercambiado ao termo informação)

[3] Acredito que, inclusive, se não o fosse, nossas ações não teriam causas que remetessem a nós mesmos, não seriam de nossa autoria, mas frutos do acaso, coisas aleatórias. Não poderia eu conceber algo assim como uma explicação adequada de volição. Por esse motivo, tenho também discordância com argumentos que tomam a forma de: “Seu cérebro decidiu antes de sua consciência”, ora, se minha consciência e parte das funções de meu cérebro (i.e., minha consciência não se distingue, causalmente, do meu cérebro, bem como de seus processos), não faz sentido algum dizer que não fui eu a tomar a decisão, simplesmente porque esta ocorreu antes da experiencia consciente per se. Isso é simplesmente um resquício de um certo dualismo, presente em concepções que, em tese, deveriam se ater a serem cientificas, mas que, na prática, revelam-se típicas de misticistas, uma vergonha. Não irei me adiantar, sobre isso, nesse momento, pretendo fornecer explicações mais adequadas a isto no decorrer de meus argumentos.

[4] I.e., Nipah, Nipah, ou, simplesmente, Nipah

[5] Pode-se pensar em sistemas mais simples, se necessário, como uma máquina que apenas afira, preposicionalmente, os atos futuros da pessoa em questão. Porém, por motivos de esclarecimento, decidi manter desta forma.

[6] Para mais informações acerca da questão, ver também: §0

[7] Do contrário, seria implausível conceber um determinismo fisicalista, pela simples ausência de evidências suficientes, já em teoria.

[8] Acredito que, como agimos (e de certa forma, pensamos) de modo a considerar a causalidade estrita, considerar certa teleologia nas coisas, não tenhamos um aparato cognitivo suficientemente complexo para formular uma nova visão da causalidade, que não seja estrita e determinística. Isso não nos impede, no entanto, de contemplar que essa visão é provavelmente errada, quando tomamos consciência de alguns experimentos mentais, como o que apresentei.

[9] Isto é, que possua relações de causalidade estritas e determinísticas, relações das quais podemos tirar a forma geral: ‘A causa B (A → B) …’                                             

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