As Leis Fundamentais da Economia

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Introdução

O presente texto tem como objetivo apresentar as principais leis que consistem no fundamento das teorias e estudos da Escola Austríaca de Economia; tem como foco a análise dos fatores que representam o pilar principal e central da Ciência Econômica, as leis mais essenciais descobertas pelos economistas, que guiam a dedução de teorias mais complexas e avançadas, todas deduzidas com base nos princípios praxeológicos já apresentados anteriormente aqui.

Ao longo do texto cinco leis serão apresentadas, a lei da preferência intemporal, a lei da utilidade marginal, a lei da oferta e da demanda, a lei dos rendimentos e a lei de Say, que foram todas as leis fundamentais econômicas deduzidas nos trabalhos utilizados como referência. Além disso, no presente texto também há algumas análises e observações a respeito da divisão de trabalho, nenhuma lei específica e já nomeada, porém, ainda assim as proposições deduzidas a respeito do tema são essenciais.

O texto será grande e provavelmente mais complexo, porém farei o possível para explicar todos os conceitos e ideias abordadas da melhor forma possível; pois o objetivo do texto é o de apresentar todas as bases da economia austríaca.

Lei da Utilidade Marginal

“Quanto maior a oferta de um bem, menor a utilidade marginal; quanto menor a oferta, maior a utilidade marginal. Essa lei fundamental da economia deriva do axioma fundamental da ação humana; é a lei da utilidade marginal, às vezes conhecida como lei da utilidade marginal decrescente.” (ROTHBARD, Murray. Homem, Economia e Estado.)

Murray Rothbard

Conforme já foi demonstrado anteriormente agentes têm uma hierarquia de valores a partir da qual os propósitos que desejam buscar são organizados do mais importante (o mais valorizado) até o menos importante, assim como os meios que ele vê como necessários para buscar estes propósitos, organizando eles do mais valorizado (o necessário para buscar o propósito mais valorizado) até o menos valorizado (o necessário para buscar o propósito menos valorizado). A lei da utilidade marginal e da oferta e da demanda seguem deste conhecimento.

Em Busca de Valores

A lei da utilidade marginal decrescente, geralmente abreviada para apenas lei da utilidade marginal, — aquela que Hans Hermann Hoppe considera como a mais importante lei da economia — estabelece que, quanto mais unidades de um mesmo meio um gente possui, menos valor ele atribui a apenas uma destas unidades, assim como à aquisição de uma nova.

Isso ocorre por causa da hierarquia de valores. O agente sempre destinará as unidades de um meio primeiro aos propósitos mais valiosos para ele (pois essa é a definição de valor, significa que aquilo lhe é mais importante, que ele escolheria primeiro), e conforme tem ao seu dispor mais unidades do mesmo meio, elas são destinada a propósitos menos valiosos, e, portanto, são menos valiosas para este agente.

Por exemplo, suponha que uma pessoa disponha de unidades do meio “maçã” e tenha os seguintes propósitos: ele precisa de uma maçã para que não morra de fome, após ingerir uma maçã, embora não vá morrer, mais uma é necessária para que ele não fique extremamente fraco e pouco saudável. Se tiver comido duas, embora não esteja morto nem fraco, precisará de mais uma para ficar com seu apetite satisfeito, e ele também deseja ter uma maçã pra que possa vender. Neste caso sua hierarquia de valores é a seguinte:

Quando este sujeito consegue sua primeira maçã ela é destinada ao seu propósito mais importante dentro da escala, o da sobrevivência, se ele obtém uma segunda, ela é destinada para um propósito muito valioso, o de manter a saúde, porém ainda menos valioso que o da sobrevivência, ela não será tão valiosa quanto a maçã anterior; quando ele obtém a terceira maça ela é menos valiosa ainda que as duas anteriores, pois para ele é mais importante estar vivo e saudável que simplesmente com o apetite satisfeito, e a última maçã obtida, a quarta, será a menos valiosa, pois será destinada para o que para ele é menos valioso, a venda.

Utilidade marginal é o nome que se da ao valor que o agente atribui à unidade de um meio que é destinada ao propósito menos valioso, ou seja, a última na sua hierarquia de valores, e a menos valiosa.

Portanto, quanto maior é a oferta de unidades de um mesmo meio que um agente tem (disponíveis para serem utilizadas por ele), menor é a utilidade marginal que ele atribui a este meio. E esta é a lei da utilidade marginal.

Tal lei foi descoberta pelo importante economista austríaco Carl Menger, considerado o fundador da Escola Austríaca de Economia.

Carl Menger

O Paradoxo do Valor

O paradoxo do valor era um problema antigo encontrado pelos economistas clássicos. Eles não conseguiam encontrar uma forma de explicar o porquê das coisas muito menos uteis poderem ser muito mais valorizadas que outras extremamente uteis. Por exemplo: Por que as pessoas tendem a valorizar mais diamantes que água? Sendo que a água é essencial para a vida e o diamante não?

A teoria da utilidade marginal encontrou uma resposta simples e lógica para este paradoxo. Os meios não são valorizados por categoria (a pessoa não valoriza todos os diamantes da mesma forma), mas sim como unidades individuais, ou conjuntos de unidades necessárias para buscar seu propósito.

No caso da água e do diamante, pelo fato de a oferta de água ser muito maior que a de diamantes, a utilidade marginal da água é menor. Isso não significa que o valor de todas as unidades de água é inferior ao do diamante, o fato é que estas primeiras unidades, provavelmente extremamente valiosas para o agente por serem necessárias para a sobrevivência, já foram destinadas para seus propósitos mais importantes, enquanto todas as demais unidades de água foram sendo destinadas a propósitos gradativamente menos valiosos, até que a ultima chegasse na utilidade marginal. O diamante, por outro lado, é encontrado em uma oferta muito menor, portanto o pouco que ele tem disponível da pedra foi destinado a alguns propósitos bem valiosos, tornando a utilidade marginal do diamante alta.

O Padrão de Consumo

Através da lei da utilidade marginal também é possível entender o padrão de consumo do consumidor. O fato é que quanto mais unidades de um mesmo meio ele possui, mais ele tende a buscar unidades de outros meios.

Isso ocorre pois, conforme ele vai adquirindo mais e mais unidades de um determinado meio, a utilidade marginal deste meio para ele vai reduzindo, até que ela se torne menor que a utilidade marginal de outros meios, fazendo com que, com o aumento da quantidade que ele dispõe do primeiro, ele tenda cada vez mais a buscar ter outros tipos de meios.

Sempre que um agente estiver optando por adquirir um novo meio, ele irá optar por aquele cuja utilidade marginal é maior para si, independentemente do valor atribuído à primeira unidade que obteve deste meio.

A Lei da Oferta e da Demanda

“Se a oferta excessiva de compradores elevar o preço sempre que a quantidade demandada for maior do que a quantidade ofertada, e a oferta insuficiente dos vendedores diminuir o preço sempre que a oferta for maior do que a demanda, é evidente que o preço do bem encontrará um ponto de descanso onde a quantidade demandada é igual à quantidade ofertada, ou seja, onde a oferta é igual à demanda.” (ROTHBARD, Murray. Homem, Economia e Estado.)

Sendo deduzida diretamente a partir da lei da utilidade marginal, a lei da oferta e da demanda é provavelmente a mais central e famosa lei da economia.

Quanto menor é o preço cobrado por determinado produto, maior tenderá a ser a quantidade dele demandada pelos consumidores, e isso por causa da lei da utilidade marginal. Se a um dado preço uma dada quantidade do produto foi comprada pelos consumidores é porque a utilidade marginal atribuída por cada um deles à ultima unidade da quantidade que comprou daquele produto não é maior que o preço pago. Se a utilidade marginal fosse maior eles estariam dispostos a comprar mais uma unidade, pois para eles a posse de ainda mais uma seria mais valiosa que o valor pago; a única exceção seria se efetivamente eles não tivessem condições financeiras de comprar mais. Quanto menor fosse o preço mais unidades do mesmo bem na hierarquia de preferências de cada pessoa iriam ter para ela valor menor que tal preço, e, portanto, mais unidades ela estaria disposta a comprar.

A oferta, do outro lado, funciona de forma semelhante, mais ao contrário. Se uma pessoa possui certa quantidade de unidades de um produto, quanto maior for o preço que ela poderá ganhar com cada uma delas, mais unidades em sua hierarquia de preferências terão o o valor inferior ao preço, dando a ela, portanto o desejo de vender.

Um exemplo para ilustrar, vamos supor que haja um determinado bem na economia e um agente possua ele, e esteja disposto a vender, e outro deseje comprar. Aquele que deseja comprar irá atribuir à primeira unidade que comprará um valor X, se o preço cobrado pelo vendedor for inferior a X, ele estará disposto a comprar esta primeira unidade, pois para ele a primeira unidade é mais valiosa que o preço; já à segunda unidade ele atribui um valor Y, necessariamente (segundo a lei da utilidade marginal) inferior a X, se o preço cobrado for inferior a X, porém superior a Y, ele terá comprado apenas uma, porém se o preço for inferior a Y também, ele comprará duas; agora, à terceira unidade ele atribui o valor Z, inferior a X e a Y, se o preço cobrado for inferior a Z também, ele comprará três unidades, e assim por diante. Neste caso se o vendedor cobrou X de preço, ele vendeu uma unidade, se cobrou Y, menor que X, vendeu duas, e se cobrou Z, menor que X e Y, vendeu 3.

Agora, isso ocorreria simultaneamente com todos aqueles que desejam comprar tal produto, por isso quanto menor o preço, maior tenderá a ser a quantidade demandada.

Aqui há um exemplo ilustrativo da demanda:

Conforme o preço reduziu, no eixo vertical (cima para baixo) de uma em uma (representadas pelos tracejados) unidade, a quantidade demandada foi aumentando. Isso é apenas um exemplo, e a progressão conforme o aumento da demanda que foi ocorrendo não será em toda a situação necessariamente esta aos mínimos detalhes, ela precisa apenas seguir a lei da demanda.

Este é o exemplo fornecido por Rothbard em Homem Economia e Estado:

A progressão da demanda não precisa seguir um padrão regular, a única regra é que a quantidade demandada não pode aumentar com um preço maior e que na maior parte dos casos será menor. Na realidade ela pode ter qualquer padrão, desde que siga estas regras, dependendo de como forem as preferências das pessoas.

Além disso a demanda segue um padrão equivalente a uma função discreta, ou seja, pontos específicos não conectados, pois os produtos são consumidos em quantidades fixas. Por exemplo, no gráfico apresentado anteriormente, essa quantidade não poderia ser demandada:

Ela segue o padrão decrescente, porém não está dentro das preferências das pessoas deste exemplo específico. Em outro caso estas quantidades poderiam ser demandadas, mas não nesse exemplo especificamente.

Apesar disso, para facilitar a representação e a visualização, as curvas de demanda, que representam a demanda graficamente, são desenhadas como linhas contínuas. Porém vale lembrar que isso é apenas uma representação e facilitação, e elas não são realmente contínuas.

E com a oferta também há uma curva, esta curva também tem um padrão que variará dependendo das preferências e é discreta, porém, para uma mais fácil representação, ela também é representada por uma curva semelhante à da demanda, mas que segue uma lei diferente, que quanto maior for o preço mais unidades as pessoas estarão dispostas a ofertar.

Assim temos a famosa lei da oferta e da demanda, que afirma que quanto menor for o preço maior tenderá a ser a quantidade que os consumidores estarão dispostos a demandar, e quanto maior for o preço maior será quantidade que os produtores estarão dispostos a ofertar.

A partir desta lei se estabelece o preço e a quantidade de equilíbrio. O preço e a quantidade de equilíbrio são o preço e quantidade comercializados quando a oferta e a demanda são iguais.

O preço de mercado tende ao preço de equilíbrio pois se um produtor oferta seu produto a um preço superior ao de equilíbrio ele ofertará a uma quantidade superior à que os consumidores (ou pelo menos grande parte deles) aceitariam pagar a este preço, e haveria um mercado extremamente lucrativo de consumidores insatisfeitos que não compraram o produto e comprariam a um preço menor, e uma enorme tendência para alguém ir ofertar para eles, baixando o preço.

E se ele ofertasse abaixo do preço de equilíbrio estaria vendendo a uma quantidade alta que só aceitaria produzir e vender se ganhasse mais por unidade. Ou seja, teria interesse em subir o preço.

Um possível questionamento para esta questão é que caso o produtor tivesse apenas interesses monetários (ganhar dinheiro), ele poderia vender a uma maior quantidade a um preço menor e isso não faria diferença para ele, o preço, desde que tivesse lucro. Isso poderia ser verdade em alguns casos mas apenas se ele não tivesse a possibilidade de produzir e ofertar outros produtos; com a possibilidade dos produtores ofertarem outros produtos conforme o preço cobrado pelo produto que já ofertam reduz se torna mais e mais atrativo para mais deles passar a usar seus recursos para produzir outro produto, que possam produzir na mesma quantidade, mas vender por um preço maior; quanto maior o preço que poderão cobrar, mais produtores terão interesse em ofertar este produto.

Aí que se encaixa o custo de oportunidade, existem os custos financeiros ao se produzir um produto — como o dinheiro gasto para contratar mão de obra, comprar ferramentas e matéria prima, alugar o local de trabalho, etc. — e existe também o custo de oportunidade (descoberto pelo economista austríaco Friedrich von Wieser, aluno de Menger e amigo próximo de Bawerk) que é a recompensa que a pessoa está deixando de ganhar ao não tomar uma outra ação alternativa (neste caso, ofertar outro produto).

Friedrich von Wieser

Portanto a mesma regra valeria para um mercado no qual houvessem apenas produtores interessados no retorno financeiro das vendas, ela só não valeria caso eles não pudessem vender outros produtos ou caso todos os demais produtos fossem menos ou igualmente lucrativos em relação ao produto atual, neste caso o preço não faria diferença para eles desde que fosse lucrativo.

Em relação à quantidade, também é demonstrado que há uma tendência para todos os produtores ofertarem na quantidade de equilíbrio.

Se ele ofertasse a uma quantidade abaixo do equilíbrio por exemplo.

Neste caso, com o preço cobrado, haveriam muitos consumidores dispostos a comprar o produto que não estariam podendo consumi-lo.

Haveria um mercado lucrativo de possíveis compradores e um enorme incentivo para os produtores atuais, ou novos produtores, produzirem mais e venderem para eles. Conforme eles produzissem mais o preço tenderia a aumentar e se aproximar mais e mais do equilíbrio, assim como a quantidade.

E se ele produzisse a uma quantidade superior à de equilíbrio venderia a um preço que estaria acima do que os consumidores estariam dispostos a pagar, e teria de abaixar a quantidade e o preço para ter lucro.

Isso não significa que o mercado estará sempre com o preço e a quantidade de equilíbrio sendo produzidos, mas sim que há sempre uma tendência para os preços e quantidades se aproximarem mais e mais do equilíbrio. Os produtores e consumidores não têm conhecimento completo a respeito dos demais preços, das demandas dos consumidores, e de como as demandas serão no futuro (as preferências podem mudar a qualquer momento), pois há sempre a incerteza, e portanto podem incorrer em erros e colocar quantidades ou preços diferentes do equilíbrio; mas, conforme continuam agindo e incorrendo em tais erros, tentam sempre corrigi-los e chegar ao preço e quantidade de equilíbrio, pois é o cenário mais lucrativo.

Mudanças no Preço

O preço e a quantidade podem sofrer mudanças conforme as preferências das pessoas mudarem, pois elas mudarão a oferta e/ou a demanda.

Quanto mais a oferta aumentar mais o preço tenderá a cair:

E quanto mais a demanda aumentar mais o preço tenderá a subir:

E em ambos os casos a quantidade aumenta.

Comentários Sobre a Divisão de Trabalho

“A divisão do trabalho divide os vários processos de produção em tarefas mínimas, muitas das quais podendo ser realizadas por dispositivos mecânicos. Este fato tornou possível o uso de máquinas e provocou o assombroso progresso das técnicas de produção. A mecanização é fruto da divisão do trabalho, sua consequência mais benéfica, e não sua causa e sua fonte. A maquinaria especializada movida a motor só poderia ser empregada num ambiente social onde predominasse a divisão do trabalho. Cada avanço na direção do uso de máquinas mais especializadas, mais refinadas e mais produtivas exige uma maior especialização das tarefas.” (MISES, Ludwig von. Ação Humana.)

Ludwig von Mises

O tema da divisão do trabalho é muito abordado na literatura austríaca, e ela é amplamente considerada como um importante gerador de produtividade.

A divisão do trabalho ocorre quando agentes, ao invés de exercerem todas as atividades necessárias para produzir todos os produtos desejados, exercem menos atividades e dividem quais atividades cada pessoa fará, com cada um dedicando mais tempo a menos atividades e, depois trocando os produtos com as demais.

Por exemplo, ao invés de dois agentes produzirem ambos comida e madeira, um deles produz apenas a comida, e o outro apenas a madeira e depois eles trocam.

A análise da divisão de trabalho é geralmente mais livre e tão focada na dedução formal de proposições como as outras. Geralmente é apenas utilizada uma observação empírica de que indivíduos costumam ser mais aptos e especializados em determinadas funções que outros, e que, com a divisão de trabalho é possível cada um se focar no que é melhor e, assim, gerar uma produção geral de todos os bens maior, que seria distribuído segundo os desejos de cada um através da troca, do comércio.

“É claro que, praxiologicamente, o próprio fato da troca e da divisão do trabalho implica que deve ser mais produtivo para todos os envolvidos do que o trabalho autístico. A análise econômica por si só, entretanto, não nos dá conhecimento do enorme aumento de produtividade que a divisão do trabalho traz para a sociedade. Isso é baseado em uma visão empírica adicional, a saber, a enorme variedade de seres humanos e do mundo ao redor deles” (ROTHBARD, Murray. Homem, Economia e Estado.)

Conforme explica Rothbard, existem vários fatores que poderiam gerar tal especialização, portanto é muito difícil que ela não exista.

“Essa especialização de cada indivíduo pode ter ocorrido por qualquer um dos três motivos diferentes ou qualquer combinação dos três: (a) diferenças na adequação e rendimento dos fatores dados pela natureza; (b) diferenças em determinado capital e bens de consumo duráveis; e (c )diferenças na habilidade e na conveniência de diferentes tipos de trabalho.” (ROTHBARD, Murray. Homem, Economia e Estado.)

Murray Rothbard

Ainda assim, mesmo que tal especialização não existisse em dada circunstância, a divisão do trabalho ainda aumentaria a produção. Conforme já foi demonstrado anteriormente, para qualquer ação é necessário o uso do tempo. O ato de parar uma atividade para começar outra é uma ação, portanto usa tempo. Isso significa que, quando um individuo tem de fazer mais de uma atividade voltada à produção ele, cada vez que troca de atividade, emprega tempo, ou seja, há um gasto de tempo. Já com a divisão do trabalho é possível reduzir tal gasto de tempo, quanto mais o trabalho for dividido menos tempo será gasto com a troca da atividade, portanto será possível produzir mais em menos tempo.

Por exemplo, pegando o exemplo da comida e da madeira, se você tivesse de produzir ambos (e precisasse de ambos) teria de empregar certa quantidade de tempo para parar a atividade de produção de carne (seja caça, o pasto, etc.) e começar a extrair a madeira das árvores. Este gasto de tempo entre as atividades se torna menor conforme a divisão do trabalho se torna maior.

Obviamente existem limites para a divisão do trabalho. Um deles é puramente matemático, dentro da quantidade de horas dedicada a o trabalho um agente pode executar no mínimo apenas uma atividade. Outro limite é o fato de que, dependendo da função ou da habilidade do agente, uma pessoa pode acabar tendo de executar mais de uma atividade, funções administrativas, por exemplo, precisam executar muitas atividades diferentes, embora muitas vezes semelhantes.

Porém, o fato de que a divisão de trabalho tende a reduzir custos de tempo e, consequentemente, tende a gerar uma maior produtividade, continua verdadeiro.

Quanto maior for a divisão de trabalho menores serão os gastos com o tempo e maior tende a ser a quantidade de bens produzidos na mesma duração tempo.

Além disso, conforme notado anteriormente, se agentes diferentes são melhores em atividades diferentes, a divisão do trabalho permite que cada um se concentre na atividade na qual produz mais e, assim, em conjunto tenham uma produção muito maior (podendo obter os bens que não produziram através da troca comercial).

E este é um dos motivos principais pelos quais a humanidade tende a se reunir em sociedades ao invés de cada indivíduo viver isolado, pois através da cooperação é possível atingir mais, e assim os indivíduos, buscando cada um sua satisfação, geralmente preferem se unir aos demais.

Lei de Say

“A Lei de Say mostra que dentro de uma situação de livre competição o próprio processo de produção cria poder de compra igual ao que foi produzido — ou seja, na formulação típica da Lei de Say, oferta cria sua própria demanda.” (REISMAN, George. Capitalism. Tradução feita por mim mesmo.)

A lei de Say dos mercados, geralmente abreviada para apenas lei de Say, foi uma importante lei descoberta pelo economista Jean-Baptiste Say e que pode ser demonstrada por meio da praxeologia. Apesar de eu a ter visto ser muito menos abordada nos trabalhos da literatura austríaca em comparação a outras leis, também é uma lei fundamental e merece ser explicada aqui.

Jean-Baptiste Say

Para entender tal lei dois novos conceitos são essenciais, o de demanda real e demanda monetária. A demanda monetária é o mero gasto total de dinheiro em um mercado (destinado aos bens demandados e consumidos), já a demanda real é a quantidade de bens que a demanda monetária de um mercado é capaz de comprar. Uma demanda monetária maior nem sempre representa, em toda a situação e sociedade, uma demanda real maior, isso depende dos preços cobrados pelos produtos, o dinheiro gasto pode ser maior, mas se os preços também o forem, não haverá uma maior compra de produtos.

Por exemplo, suponha que em uma dada sociedade as pessoas gastem 20 milhões de reais com batatas, está é a demanda monetária, porém, se cada batata custar em média 10 reais, eles estarão comprando 2 milhões de batatas, e está é a demanda real. A demanda abordada anteriormente pode ser, assim, separada nestes dois fatores, a demanda monetária e a demanda real. Se, voltando ao exemplo, tivéssemos uma outra sociedade na qual a quantidade de reais gasta com batatas fosse de 10 milhões de reais, embora a demanda monetária fosse menor isso não significaria que a demanda real também fosse menor; se as batatas nesta sociedade custassem, por exemplo, 4 reais cada, a quantidade de batatas comprada seria de 2,5 milhões, ou seja, a demanda real seria maior.

A Lei de Say estabelece que todo o aumento na produção gera um poder de compra e, consequentemente uma maior demanda real. A oferta cria sua própria demanda.

Isso é provado da seguinte forma: um aumento na produção, e consequentemente na oferta, conforme visto anteriormente, reduz os preços, o que torna possível que a demanda monetária do mercado possa comprar mais produtos (pois o preço deles é menor), aumentando a demanda real e fazendo com que mais produtos sejam comprados pelas pessoas.

“Aumentos na produção e oferta criam mais poder de compra e demanda real. Eles o fazem ao reduzir os preços. Isso torna possível que qualquer demanda monetária compre correspondentemente mais — para comprar tudo o que é produzido e ofertado para a venda.” (REISMAN, George. Capitalism. Tradução livre.)

George Reisman

Um aumento na demanda monetária, por outro lado, ou seja, um aumento apenas na quantidade de dinheiro gasto com produtos demandados, aumentará também os preços, por conta da lei da demanda já abordada anteriormente, enquanto um aumento na demanda real por conta da oferta não.

Ilustrarei os dois casos graficamente.

Este é o gráfico inicial de oferta e demanda que temos.

Com um aumento na oferta a curva de oferta se desloca:

Com isso, embora a curva de demanda em si não mude, a quantidade demandada aumenta.

Isso porque houve uma redução nos preços com o aumento da oferta, e nesse preço as pessoas estão dispostas a comprar mais:

Há um novo preço de equilíbrio e uma nova quantidade de equilíbrio. E o aumento na oferta gerou um aumento na quantidade demandada, embora a curva de demanda tenha se mantido.

Agora, se a demanda monetária do mesmo produto aumentar isso significará que a utilidade marginal do dinheiro (utilizado para comprar tal produto) diminuiu em relação à utilidade marginal do produto (seja porque a utilidade marginal do produto está maior ou porque a do dinheiro está menor). Portanto haverá um deslocamento na curva de demanda.

E isso acabará pro gerar um aumento na quantidade demandada em conjunto com um aumento nos preços:

Melhoras na qualidade da produção (exemplo, uma melhora na técnica, na divisão do trabalho, ou na tecnologia) são capazes de aumentar a quantidade comprada sem aumentar os preços (e baixando eles aliás) por tornar para o produtor possível ofertar mais a um preço menor sem ter custos (incluindo o custo de oportunidade). Enquanto um aumento apenas na demanda monetária irá aumentar os preços cobrados.

Muitas vezes a lei de Say é mal entendida e interpretada, muitos, ao ler a lei, acreditam que ela diz que qualquer aumento na oferta irá fazer com que os consumidores gastem mais para comprar o produto ofertado, e dizem que isso seria um absurdo. Porém, conforme já abordado, isso se trata de um erro de interpretação da lei de Say, pois a demanda que a lei afirma aumentar é simplesmente a demanda real, e não a monetária, ou seja, mais produtos serão comprados, mas não necessariamente haverá mais dinheiro sendo gasto na compra do produto (apenas se também houver um aumento na demanda monetária).

Lei dos Rendimentos

“A lei dos rendimentos decrescentes estabelece que, dentro de determinado nível de conhecimento tecnológico, o uso sucessivo de maiores quantidades de qualquer dos fatores de produção ou combinação de fatores de produção em conjunção com uma quantidade fixa de qualquer outro fator de produção resulta eventualmente em uma redução na proporção do crescimento do rendimento” (REISMAN, George. Capitalism. Tradução livre.)

George Reisman

Dentre os objetos que um agente vê ao seu redor enquanto age existem aqueles que ele acredita que pode e precisa alterar para que possa buscar seu propósito, os meios usados por ele, e aqueles que ele acredita não poder ou precisar alterar, as condições gerais da ação.

Observação: Um objeto é considerado condição geral da ação em relação à ação de um agente, isso não significa que ele sempre será necessariamente uma condição e nunca possa ser um meio, este objeto pode ter sido considerado como irrelevante para ele atingir seu propósito, e portanto uma condição. Porém em outra circunstância ou dentro da ação de outro agente, ser um meio importante para se chegar a um propósito; ou então algo anteriormente considerado impossível de se controlar ou alterar em dada circunstância, pode no futuro se tornar um meio por conta do avanço tecnológico.

Já os meios se dividem em dois topos, bens de uso, e bens de produção, também chamados de bens de capital, (lembrando que o termo “bem”, assim como o termo “recurso” é sinônimo de “meio”). Os bens de consumo são aqueles que satisfarão um propósito diretamente, enquanto os bens de produção são aqueles que serão utilizados para produzir outro bem (seja este já um bem de consumo, ou outro de produção, num processo que, em algum ponto, resultará no bem de consumo), satisfazendo um propósito indiretamente. Os bens de produção utilizados para a produção de um novo bem são chamados de fatores de produção, e em relação a um fator de produção os outros fatores são chamados de fatores complementares.

Para a produção de qualquer bem é necessário o uso de ao menos dois fatores de produção, isso ocorre pois toda a ação, conforme abordado no texto anterior, utiliza ao menos o tempo, e para a produção de um bem é necessário, portanto, ao menos o tempo empregado para sua produção (e o trabalho exercido neste tempo) e outro bem que servirá como matéria prima (já que o tempo não pode ser a matéria prima). Portanto ao menos uma matéria prima mais o trabalho empregado por certo tempo são necessários para a produção de um novo bem, ou seja, dois ou mais fatores de produção.

Muitas vezes para a produção de um bem são necessárias quantidades fixas de determinados fatores de produção, de tal forma que para multiplicar a quantidade de bens produzidos por certo valor x, é necessário multiplicar os fatores também pelo mesmo valor x, por exemplo, para produzir um cachorro quente com salsicha dupla são necessárias duas salsichas e um pão, para dobrar a quantidade de cachorros quentes produzidos é necessário dobrar a quantidade de salsichas e de pães.

Porém muitos fatores de produção não seguem essa progressão proporcional das suas quantidades, por exemplo, se você tem uma fábrica, poderá produzir mais aumentando a quantidade de matéria prima e de trabalho empregado sem ter de aumentar a quantidade de espaço usado (que também é um fator de produção) tão cedo. É nestes casos que impera a lei dos rendimentos decrescentes, abreviada para apenas lei dos rendimentos.

A lei dos rendimentos estabelece que o crescimento da produtividade (do quanto é produzido) terá um limite se ao menos um dos fatores de produção permanecer fixo.

Ou seja, se você seguir aumentando os fatores de produção, mas mantendo algum ou alguns fixos, uma hora o aumento deles por si só não será mais capaz de continuar gerando ganhos de produtividade, e você terá de aumentar aqueles que tornara fixos para produzir mais; a não ser, é claro, que melhore a tecnologia utilizada, o que talvez lhe permita continuar a manter determinado fator fixo, porém não indefinidamente, haverá um ponto no qual um aumento dele, ou uma melhora da tecnologia será invariavelmente necessário.

“Essa necessidade resulta da existência do que von Mises chamava de ‘efeitos quantitativos definidos’. Tudo que é físico tem uma capacidade de produzir efeitos definida e delimitada. A capacidade pode ser exaurida de uma vez, ou pode ser alcançada mais ou menos gradualmente. Por exemplo, a capacidade de uma certa quantidade de farinha de determinada qualidade de produzir pão é exaurida no processo de produção de certo tipo de pão. Não é possível produzir mais pão com a quantidade disponível de farinha. A aplicação de apenas trabalho adicional não resultaria na produção de mais pão.” (REISMAN, George. Capitalism. Tradução livre.)

George Reisman

Isso ocorre por conta de um limite na capacidade produtiva de cada bem. Um bem tem uma capacidade de produzir efeitos limitada, sejam estes efeitos diretos (bem de consumo) ou indiretos (bem de produção), caso o contrário este bem não seria um bem econômico, mas sim algo não-escasso, ou uma condição geral da ação.

“Dizemos que um bem econômico produz efeitos quantitativamente definidos, em se tratando de bens de primeira ordem (bens de consumo), quando uma quantidade a de causa produz — seja de uma só vez, seja em diversas vezes num determinado período de tempo — uma quantidade A de efeito.” (MISES, Ludwig von. Ação Humana.)

No caso dos bens de consumo, se eles fossem capazes de produzir efeitos ilimitados, eles não seriam escassos, pois iriam ser capazes de gerar satisfação ilimitadamente, ou seja, não seriam meios/bens.

Já no caso dos bens de produção, eles geram efeitos indiretamente e através do uso de outros bens de produção em conjunto (fatores complementares). Se um fator de produção fosse capaz de ser mantido fixo enquanto os outros aumentam indefinidamente, sem que em algum momento um aumento da quantidade dele fosse necessária para continuar a aumentar o rendimento, então qualquer proporção dos demais fatores de produção poderia ser combinada com ele. Isso significaria que ele (este suposto fator fixo) não poderia ser um fator de produção, e sim uma condição geral da ação, pois qualquer quantidade dos demais fatores poderia ser combinada com ele sem que fosse necessária qualquer alteração neste “fator eternamente fixo”.

Por exemplo, se o espaço utilizado na produção pudesse ser mantido fixo eternamente, sem nunca precisar ser aumentado o número de máquinas, trabalhadores com ferramentas ilimitadas poderiam ser empregadas dentro deste mesmo espaço; o produtor poderia aumentar o número de trabalhadores que trabalham no mesmo espaço para 1 milhão, para 1 bilhão, para 1 trilhão… indefinidamente. Não seria preciso alterar a disposição do espaço de forma consciente, simplesmente utilizá-lo da mesma forma, apenas adicionando mais e mais trabalhadores, até mesmo infinitas empresas poderiam utilizar o mesmo espaço.

Outro exemplo, se a quantidade de trabalho pudesse ser mantida fixa eternamente, então uma mesma quantidade de trabalhadores seria capaz de gerar qualquer possível quantidade de produto, desde que tivesse todos os demais fatores de produção (matéria prima, ferramentas, etc.) necessários, eles poderiam até mesmo trabalhar para todas as empresas ao mesmo tempo. Nenhum trabalhador extra seria necessário.

Se o objeto pode ser mantido fixo eternamente enquanto a produtividade aumenta eternamente, então ele é uma condição geral da ação, pois não precisa mais ser alterado, e não um bem econômico, não é um fator de produção.

Um exemplo disso é o ar, o ar é necessário para que possamos produzir qualquer coisa, mas não pensamos precisar alterar o ar conscientemente para produzir, ele está no momento atual presente em quantidades tão abundantes que é simplesmente uma condição geral da ação.

“Esta lei, como foi demonstrada acima, é consequência obrigatória do fato de que uma relação quantitativa determinada entre um bem econômico e os efeitos produzidos pela sua aplicação constitui condição necessária para que este bem seja um bem econômico.” (MISES, Ludwig von. Ação Humana.)

Ludwig von Mises

Isso significa que existem quantidades ótimas (ou ideais) de um determinado fator de produção quando os outros são mantidos em uma quantidade constante. Se a quantidade do fator de produção continuar a ser aumentada acima da ótima, mantendo os outros fatores constantes, e sem algum auxílio de novas tecnologias, a produtividade não continuará aumentando tão bem quanto antes.

Por exemplo, dentro de uma fábrica a quantidade de trabalhadores e de máquinas podem ser aumentados sem que se aumente a quantidade de espaço utilizado por um bom tempo. Porém, haverá um momento no qual não será mais possível comportar mais trabalhadores e máquinas na mesma área, e mais espaço será necessário, ou então uma melhora na tecnologia das máquinas (máquinas menores mas mais avançadas, com a mesma produtividade, por exemplo).

Lei da Preferência Intertemporal

“Em outras palavras, isto significa que as pessoas têm uma tendência a consumir mais no presente do que no futuro. Tal afirmativa, que denominamos de lei da preferência intertemporal, deduz-se imediatamente dos postulados da ação humana e traduz o fato de que, sendo o tempo um fator escasso, o agente econômico procura obter a situação mais satisfatória para ele no mínimo de tempo possível.” (IORIO, Ubiratan Jorge. Ação, Tempo e Conhecimento.)

Ubiratan Jorge Iorio

Um meio é valorizado segundo o valor que o agente atribule ao propósito ao qual ele acredita que o meio é necessário. Se um agente deseja um determinado propósito, significa que se puder, ou se pudesse, escolheria ele ao invés de escolher a ação passiva, que significa que ele é valorizado em algum grau. E se o agente deseja certo propósito, significa que deseja possuir o meio que acredita ser necessário para buscá-lo, pois o valoriza tanto quanto determinado propósito, ou seja, se pudesse escolher entre ter tal meio e não ter, escolheria ter, pois ter ele significa poder buscar o propósito. O mesmo acontece com o tempo.

Como para toda a ação se usa o tempo, todo o ser que age ativamente valoriza o tempo, deseja ter mais tempo, e portanto prefere não perdê-lo.

Se o agente tiver de escolher entre consumir algo no presente ou consumir este mesmo algo no futuro (desde que este algo seja alguma coisa desejada no presente), ele está escolhendo entre consumir este algo perdendo menos tempo (no presente), ou consumir este algo perdendo mais tempo (no futuro). Como todo o agente que age ativamente prefere ter mais tempo, ele sempre escolherá a primeira opção, consumir no presente, a não ser que ele ganhe algo a mais se consumir no futuro.

Além disso, há sempre a incerteza, conforme já abordado anteriormente. No mundo o futuro é o caos e sempre há a possibilidade de algo inesperado ocorrer, um risco. Ao escolher consumir ou atingir algo no futuro o agente está também escolhendo correr riscos, inclusive o risco de não conseguir atingir o que deseja, e, portanto, isso também o faz exigir uma maior recompensa para aceitar consumir ou atingir no futuro.

“Uma vez que o investimento em bens de capital envolve olhar para o futuro, um dos riscos que um agente deve sempre enfrentar é a incerteza das condições futuras. A produção de bens de consumo envolve diretamente um período muito curto de produção, de modo que a incerteza incorrida não seja tão grande quanto a incerteza de processos de produção mais longos, uma incerteza que se torna cada vez mais importante à medida que o período de produção se prolonga.” (ROTHBARD, Murray. Homem, Economia e Estado.)

Quanto mais no futuro é o propósito que o agente pretende atingir mais tempo ele deverá empregar para buscá-lo, enquanto renuncia a outras coisas, e maior é o risco que sofrerá, portanto, maior é o valor atribuído por ele a este propósito, caso consiga atingi-lo.

Esta é a lei da preferência intertemporal, descoberta por Eugen von Böhm-Bawerk, aluno de Menger, professor de Mises, e importante precursor da Escola Austríaca.

Eugen von Böhm-Bawerk

Dependendo da preferência intertemporal do agente haverá uma recompensa diferente que ele cobrará para que esteja disposto a aceitar consumir este algo no futuro, e esta recompensa é denomina “juro originário”. O juro é o preço do tempo.

A preferência intertemporal do agente está diretamente relacionada ao juros aceito por ele, ela pode ser maior ou menor. Pessoas com uma baixa preferência intertemporal estão mais dispostas a renunciar uma recompensa no presente para ter uma recompensa maior no futuro, pensam mais no futuro, pessoas com uma alta preferência intertemporal pensam mais no presente e estão menos dispostas a renunciar uma recompensa no presente para ter uma no futuro; quanto maior a preferência intertemporal maior deve ser a recompensa no futuro para que a pessoa renuncie o consumo no presente, ou seja, maior o juro.

A Taxa De Juros e Mercado

O juros é também um preço de mercado, que é estabelecido através dos processos de oferta e demanda assim como todos os outros. Já vimos que cada agente tem o seu próprio preço do tempo, que depende de sua preferência intertemporal, de sua valorização, o seu juro originário; no mercado, através dos mecanismos de oferta e demanda anteriormente apresentados, o juros do mercado, ou apenas juros, surge, com base no juro originário de cada um.

No mercado aqueles que estão ofertando recursos para poderem ser utilizados no presente, esperando por alguma recompensa futura, são chamados de poupadores, e aqueles que estão demandando no presente recursos, e prometendo a recompensa no futuro em troca, são chamados de investidores, dispostos em investir em seus negócios com a expectativa de ter lucro no futuro (o suficiente para pagar os poupadores e para ganhar a mais).

E os juros também irão mudar da mesma forma que qualquer preço conforme mudanças nas preferências gerarem mudanças na oferta e/ou na demanda, com a taxa abaixando conforme a oferta de recursos para investir (poupança) aumentar, e aumentando conforme a demanda de recursos para investir (investimento) aumentar; e a quantidade de recursos destinados a investimentos aumentando nos dois casos.

Estrutura de Capital

A formação da estrutura de capital, conforme demonstrado pela literatura austríaca, é relacionada à lei da preferência intertemporal.

Conforme abordado anteriormente, bens de capital (também chamados de bens de produção) representam bens necessários para a produção de outros bens, num processo que, em algum momento, resultará em bens de consumo. Dentro de um processo de produção podem existir estágios, cada estágio produz um bem que será utilizado (bem de capital) para a produção de outro no próximo estágio, até que resulte, no final, em um bem de consumo. Então, um bem de capital é produzido em um estágio, ele é utilizado para produzir outro bem, um bem de consumo para vender, ou outro bem de capital, que irá ser utilizado para a produção de outro bem. A produção de cada um destes bens constitui um estágio no processo de produção, com a produção dos bens de capital representando os estágios não-finais, e a produção do bem de consumo o estágio final.

Por exemplo, temos o caso da produção de livros. O primeiro estágio de produção irá consistir na extração de matérias primas, como a madeira, a matéria prima da tinta, etc.. Já um segundo estágio seria a produção, a partir da matéria prima já adquirida, de bens como papel (através da madeira) e tinta. Num terceiro estágio, a tinta e o papel, além de demais bens de capital/produção necessários, seriam utilizados para produzir os livros, colocar as folhas juntas com a capa, imprimir as páginas, etc.. E no último estágio teríamos estes livros sendo transportados para uma livraria, que faz o gerenciamento de estoques, e vendidos.

Abaixo está uma ilustração que fiz com um exemplo de um processo produtivo de quatro estágios para ilustrar:

Como pode ser visto, há uma estrutura de capital que leva a um bem de consumo no final.

Porém, se fomos levar em conta a lei da preferência intertemporal, o valor produzido no final de cada estágio não é idêntico. Não, ele deve ser maior conforme vamos avançando para estágios mais a frente no tempo, pois o produtor que obtém um ou mais bens de capital para produzir outro irá produzir algo que, além do valor dos bens de capital usados na produção, também terá o valor do tempo, ou seja, valerá mais.

Voltando ao exemplo dos livros: a quantidade de x livros produzidos em determinado período de tempo terá valor superior à quantidade de folhas de papel, tinta e demais bens de capital utilizados em sua produção, que terão valor maior que a quantidade total de madeira e etc. utilizada na produção desta quantidade de folhas, tinta e etc..

Se for traçada uma reta que passe pelo valor final de cada estágio do processo produtivo podemos formar um triângulo que representa o processo como um todo.

Estes são os triângulos hayekianos e, como é de se esperar, foram criados pelo economista Friedrich von Hayek, aluno de Mises (assim como Rothbard).

Friedrich von Hayek

Dependendo do processo produtivo o triângulo será diferente. Um processo produtivo baseado numa mais baixa preferência intertemporal será maior horizontalmente, pois demandará mais tempo para que se chegue ao seu fim.

Enquanto um processo baseado numa preferência intertemporal maior será menor horizontalmente, pois durará menos tempo.

E, muitas vezes, um triangulo maior horizontalmente representa, também, a existência de mais etapas no processo produtivo.

Os triângulos hayekianos podem ser conectados às curvas de investimento e poupança apresentadas anteriormente para nos fornecer uma visão ampla do processo de produção da economia e sua relação com a preferência intertemporal.

Para tal é necessário o uso de uma fronteira de possibilidades de produção, este diagrama:

O diagrama demonstra a relação entre os gastos com consumo (curto prazo) e investimentos (longo prazo) na sociedade. Quanto maior for a quantidade de recursos gasta com consumo no presente (consumo, eixo Y) menor será a quantidade de recursos poupados para o futuro (que serão utilizados para financiar mais investimentos, seja pela própria pessoa, através de fundos, ações, etc., ou pelo banco, que emprestará o dinheiro colocado na poupança).

Em uma economia na qual há uma menor preferência intertemporal, ou seja, as pessoas têm uma visão mais voltada para o futuro, há uma maior quantidade de investimentos:

Já em uma economia com uma maior preferência intertemporal há mais consumo:

E isso se relaciona diretamente à curva de investimentos e poupança. Quanto maior for a quantidade de dinheiro poupada:

Maior será a quantidade de investimentos:

E isso terá um efeito também na estrutura de capital, ou seja, nos triângulos anteriormente apresentados:

Um aumento da poupança acaba refletindo, assim, também na estrutura de produção:

Como pode ser observado ao comparar os dois triângulos, com o aumento da poupança o triangulo se alongou mais, ou seja, mais tempo passou a ser gasto para se produzir, pois a preferência temporal se tornou menor e portanto os agentes estão dispostos a esperar mais para acabar o processo.

Além disso o valor atribuído a estágios mais iniciais do processo de produção se tornou maior:

O que ocorre por uma maior demanda por bens de capital, por conta do maior tempo agora dedicado ao processo produtivo.

Isso também é explicado pelo fato de que, para poder produzir mais ao longo tempo é necessário um aumento na quantidade de bens de capital utilizados na produção (lembrando da lei dos rendimentos, aumentar apenas algum ou alguns fatores de produção, como força de trabalho, indefinidamente, não geraria incrementos eternos nos ganhos) ou na tecnologia, técnicas associadas a eles, ou qualidade deles.

“Com os elementos dados pela natureza limitados por seu ambiente, e seu trabalho restrito tanto pela oferta disponível quanto pela desutilidade, só há uma maneira pela qual o homem pode aumentar sua produção de bens de consumo por unidade de tempo — aumentando a quantidade de bens de capital. Começando com trabalho e natureza em seus estados puros, ele deve, para aumentar sua produtividade, misturar sua energia de trabalho com os elementos da natureza para formar bens de capital. Esses bens não são imediatamente úteis para satisfazer suas necessidades, mas devem ser transformados por mais trabalho em bens de capital de ordem inferior e, finalmente, nos bens de consumo desejados.” (ROTHBARD, Murray. Homem, Economia e Estado.)

E o valor atribuído ao bem de consumo final se tornou menor:

O que tenderá a causar uma redução nos preços, por conta da redução na demanda destes produtos no curto prazo para uma maior poupança, ou seja, menos quantidade comprada e menor preço pago. Sendo que, no longo prazo, haverá um crescimento na produção e um aumento na oferta, o que, conforme abordado anteriormente pela lei de Say, irá aumentar novamente a quantidade demandada e consumida do produto. Tudo devido a esse maior investimento em técnicas, tecnologia, divisão do trabalho, etc..

O efeito disso a longo prazo será um maior crescimento da produção pois, conforme já abordado anteriormente, sacrificar o consumo no presente por um consumo futuro implica em um maior valor atribuído ao produto final que é consumido ou obtido no futuro; ou seja, quando este futuro chegar, as pessoas que haviam poupado terão a oportunidade de gastar com o que pretendiam quando começaram a guardar seu dinheiro, e estes serão gastos com coisas mais valiosas para elas do que aquelas que teriam consumido a curto prazo, portanto, um grande aumento no valor atribuído aos bens de consumo ocorre no futuro, maior do que ocorreria se não tivesse ocorrido todo esse investimento.

Aqui nota-se o aumento descrito, além de o triângulo da economia focada no longo prazo ter crescido mais, resultando, no futuro, em um valor final de bens de consumo maior que o do triângulo da economia focada no curto prazo; o diagrama da fronteira de possibilidade de produção se deslocou muito mais, fazendo com que haja no futuro um consumo maior do que haveria se a economia não tivesse tido mais investimentos, mesmo que a percentagem de recursos destinados ao consumo ainda seja menor.

Agora, para que tanto a quantidade de recursos gasta com consumo, tanto a quantidade de recursos gasta com investimentos tenha de tornado a longo prazo grande o suficiente para superar as quantidades de uma economia mais focada para o presente, sem que necessariamente a proporção dos gasto com cada um tenha mudado, seria necessário um aumento bem maior (que o da economia mais focada no curto prazo) na quantidade de recursos, de riqueza, total desta sociedade. Isso se explica de forma dupla, primeiro porque com os investimentos as empresas foram capazes de ter ganhos de produtividade, segundo pelo fato de que o dinheiro poupado pelos agentes foi poupado com uma certa taxa de juros sendo oferecida (seja por ele ter sido investido em fundos, ativos, ou emprestado pelo próprio banco, que prometeu um rendimento para o poupador), portanto houve um ganho a longo prazo por parte destes poupadores.

Assim, com uma ampla visão das bases da economia austríaca, pautada nas premissas praxeológicas anteriormente abordadas, é possível ter um entendimento de todo o processo econômico.

Gostou do artigo? Sobre esse tema, leia o maravilhoso livro de Murray Rothbard: Homem, Economia e Estado.

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Referências

Ludwig von Mises — Ação Humana

Murray Rothbard — Homem, Economia e Estado

George Reisman — Capitalism

Ubiratan Jorge Iorio — Ação, Tempo e Conhecimento

Roger Garrison — Time and Money

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